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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Diálogo

Que medo urgente esse que assombra meus sonhos. Sensação grosseira como veneno que corrompe a via sanguínea. Onde estás tu, vinho dos prazeres, quando meu cálice uiva vazio? Preciso que venhas e o tomes em suas mãos para que possas então sentir-se completo. Oh, mas que tolice, que tolice! És apenas um cálice limpo, livre dos males do vinho corruptor. E quem foi o insensível que disse que não o quero? Quem foi o intrometido estúpido, que com suas deduções falhas, afirmou que o não preciso? Cala-te escritor infame! Deixe-me com a liberdade da criatura abstrata que acha-se própria de felicidade e esconda tua inteligência infame sob os lençóis dos olhos dos inimigos.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Azedume, vida

Pulsava o sangue na ferida aberta. E o aroma de azedume encontrou minhas narinas fétidas. Dentro de meus bolsos vazios, havia uma brisa desconcertante que inebriava meus dedos frios. Fechei os olhos e tentei lembrar do por que estar aqui. Por que eu estava? Não lembrava, não lembrava... E o suspirar angustiante que saiu de dentro de mim foi o suficiente para traduzir palavras que jamais falaria. E estava tão azeda, tão azeda por dentro. E aquele cheiro desconcertante que destruía meu corpo. E rebentava meus intestinos, destruía meus pulmões.

Mas não estava habilitada a fazer nada, nada... Éramos eu e mais milhares de pessoas dentro de garrafinhas de refrigerante, enfileiradas para o abate. Que abate? Viraríamos comida! Santa ingenuidade, já éramos comida!

E eu estava azeda... Quem sabe assim me colocariam fora e eu pudesse viver?

Acorrentada pelo gosto ruim da dor de se tornar apenas mais uma na linha de produção. E isso me salvaria. Sem pensar, agarrei-me o máximo possível ao meu gosto ruim, aos meus pensamentos ruins. A vida terminaria ali. E a libertação estava próxima. Mas não, não... Não podia ser tola. Pensar na liberdade me deixaria feliz, mas para ser livre eu precisava da miséria. Serei mísera então.

Sobre poemas

Não sou poeta. Já tentei, mas não sou.

Sou algo além disso, algo menos que isso, algo insignificante.

Não escrevo, apenas vomito palavras incertas como que bêbada ao volante.

Oh, mas que rima patética acabei de fazer!

Viste agora minha ignorância em alcançar tamanho prazer?

E como se já não fosse o suficiente, lembro-me então de castelos e serpentes.

E neles me encontro consolada, como uma bruxa malvada.

Por que ris, oh criança analfabeta?

E dizes tu: Porque até mesmo eu sou melhor poeta.

Vão

Foi naquele minuto entre o badalar do relógio e a buzina do carro que eu consegui te olhar. E olhei, olhei tanto que cada vez que te olhava sentia mais vontade de repetir a ação. E repeti mesmo. Todas as vezes que me foi possível, apenas pra que pudesse, daqui há algum tempo, lembrar que tu era de verdade. Com carne, ossos, rugas e sarcasmo. E tu estava aqui, e eu estava ali. Nós estávamos. Como num sonho paradoxal no qual as pessoas se encontram e desencontram de novo e de novo. E tínhamos sede. Eu de ti e tu de mim. E isso nos assustava. Me assustava. Eu te queria, eu te via, eu te tinha. E nós, ainda assim, fazíamos questão de apenas nos olharmos. E estávamos felizes assim. Não, não felizes, mas satisfeitos. Satisfação como uma cor púrpura que se expande dentro da imensidão branca do céu infinito. Nós éramos púrpura e o mundo era a imensidão branca. Mas os segundos passaram tão irremediavelmente que nos contentamos em ser apenas um rosa fraquinho, uma miséria do que um dia foi vermelho puro e provavelmente não voltaria mais a ser.

E tu me dizias: “Ainda te amo”

E eu te dizia: “Mas eu não sei”.

E estávamos bem assim.

Sentimentos confusos, nada que devesse ser revirado. E viveríamos assim. Duas mãos soltas que se procuram em vão no calar da indiferença soturna. Dois felinos independentes e solitários dançando por entre as ruas escuras da cidade. Eu, na minha imensidão do descontentamento. Tu nos passos silenciosos da indiferença.

E estaríamos bem assim.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A Hora da Estrela

Porto Alegre, abril ou junho de 2008.

- Assim, a gente soma a data do aniversário com o ano que está por vir que daí descobre a numerologia correta e o que esperar do futuro.
Ela me olhava com dúvida e fascinação. Mas finalmente se deixou confiar em mim. Quer dizer, eu sabia que ela confiava em mim assim como eu confiava nela. Éramos amigas como irmãs, embora estivéssemos presas na inocência dos catorze anos.
- Tá, coloca aí que eu quero ver qual é meu ano.
Somei. E deu o número cinco. Era uma equação simples de se fazer, na qual deveríamos somar todos os números possíveis ate que resultasse num numero de um a nove. Bem, o dela foi cinco. E esse, na minha ingênua opinião, era o melhor de todos.
No livro que eu segurava na mão sobre numerologia e astrologia e essas palhaçadas sobre o futuro que minha mãe tinha comprado em uma banca qualquer apenas para satisfazer minha curiosidade nata, estava escrito tudo sobre magias para o amor, para o dinheiro e várias outras coisas para as quais eu me achava simplesmente responsável em saber. Eu não trabalhava, não estava muito inclinada a namorar e muito menos tinha dinheiro. Mas, ainda assim, estávamos lá: Das crianças atônitas brincando com alguns fogos de artifício.
- Teu ano é da mudança. E isso faz todo sentido pra mim.
Ela sorria. Tinha certeza e aceitação quanto à minha previsão. Quer dizer, ela estava tão bonita esse ano e tão segura e tão madura e tão envolvente. Enquanto que eu tinha que me contentar na insignificância do patinho feio. Uma espécie de atriz coadjuvante que serve apenas pra apoiar o brilho do personagem principal. Ok, eu nunca gostei de muita atenção e na maioria das vezes fazia de tudo pra ser a figurante. Mas eu realmente, realmente mesmo, não veria problemas em ter a minha própria hora da estrela. E foi aí que eu me dei conta: A minha hora chegaria quando o número cinco viesse na minha numerologia. Lógico! Como não pensei nisso antes? A mudança traria o brilho que me faltava e enquanto isso não acontecesse eu ficaria feliz com o meu papel nem tão importante assim. Eu meio que ficava feliz em ter minhas horas engraçadas e trágicas e vergonhosas e de medo de meninos que nunca me olhariam. Eu me encontrava comigo mesma sorrindo para uma existência feliz e medíocre, uma personalidade falha e palavras sufocadas. Nada de importante a se fazer, nada de importante a se dizer. Meu único objetivo durante a atuação seria carregar nos ombros o brilho das minhas amigas com suas vidas de personagem principal. E eu não invejava isso, apenas admirava. Todo mundo sempre disse que o mundo gira e a gente só precisa esperar que chegue a nossa vez. Então, bem, foi o que eu continuei fazendo: Esperar ansiosamente pela minha hora do show. Tipo aquele livro da Clarice Lispector sobre a Macabéa e sua insignificância no mundo.
- Por que tu não faz a soma do teu aniversário agora?
Olhei para minha amiga. Tão bonita... Ela estava animada e queria saber sobre mim. Ela sempre fazia questão de saber sobre mim. E eu, na minha onda de curiosidade e ansiedade, fiz. Deu um número idiota sobre recomeçar e coisas que eu não queria saber. Então me brilhou uma coisa por dentro: E se eu descobrir quando vai ser meu ano da mudança? Ah sim, sim, daí eu poderia ter um foco e saber exatamente o que fazer quando a hora chegasse.
O ano?
2012.


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Porto Alegre, outubro de 2011.

- Como se sente com 18 anos?
Eu pensei um pouco. Quer dizer, eu não me sentia exatamente com 18 anos. Pra mim, era mais como se meu corpo estivesse envelhecendo enquanto minha alma continuava presa aos 15 ou 14. Sério, eu não tinha mudado muita coisa. Mesmo cabelo longo, mesma sorte duvidosa, mesmos pés desiquilibrados.
- Bem... Não posso dizer que mudei muito...
Ela apenas sorriu.
- Eu também sinto isso.
A maioria das minhas amigas já estava na faixa dos dezoito e eu estava entrando pro clube. Dezoito anos... Liberdade? Responsabilidade? Trabalho? Meu Deus, eu tinha tantos planos... Estava tão ansiosa por esse momento que quase havia me esquecido que a mudança estava próxima. Mas foi aí que um ser furioso começou a dançar nas minhas entranhas, levando frio e expectativa por todo meu corpo. Tinha chegado, tinha chegado! Não, não, não posso esperar. Buda sempre disse que o desejo é que trás a dor, então seria bom que eu parasse com isso. Sem desejos, sem expectativas, sem dor. Simples, eficaz e direto.
Os dias foram se passando. O que tinha acontecido comigo? Eu estava naquela fase em que a gente se acha muito importante por que saiu da escola e entrou na faculdade e acha que já pode ter opinião sobre tudo que todo mundo diz, veste, come ou faz. E a gente acha que é muito importante e que vai mudar o mundo e que todo mundo continua errado enquanto tudo dentro da nossa cabeça tá muito certo. E que a gente briga com a família e com os amigos e fica com os hormônios explodindo a todo momento. Acho que isso se chama adolescência, ainda que um pouco tardia. Adolescente aos dezoito. Fazia sentido pra mim. Coadjuvantes normalmente são lerdos e desinteressantes e eu lidava bem com isso. Mas agora eu sabia que a hora estava chegando. As coisas iriam mudar. Tudo, tudo ia mudar. Eu ainda não sabia como, mas sentia. Sempre, dentro de mim. Eu não desejava isso por que não me permitia, mas eu sabia. Eu tinha certeza. Eu acreditava. E a ambição tomou conta da minha mente e a expectativa também. E as ruas se transformavam em um lindo cenário para a minha vida de atriz principal. Quer dizer, eu tinha tudo pra ser a atriz principal. Sabe, tipo aquela boa garota meio confusa e talvez bonitinha. E tudo estava indo muito bem assim, mas a mudança ainda não tinha chegado. Ok, eu sei eu ainda estava em 2011 e talvez isso só acontecesse em 2012.
Claro!
Como fui burra!
As coisas iriam ficar muito, muito melhores depois do ano novo. Claro! Tudo vai mudar em 2012 quando eu estiver de férias e tudo vai ser muito emocionante e um dia eu escreveria um livro sobre como a mudança na minha vida pacata foi incrível e sobre como tudo começou e sobre como tudo terminou e sobre como a vida é bonita e incrível e vale a pena esperar pelo melhor.
Sim, sim, só esperar até janeiro, que tudo, tudo vai mudar.

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Contracapa

Porto Alegre, 06 de Dezembro de 2011

Acordei mais cedo naquele dia. Uma noite tranquila, uma calma serena em todo meu corpo. Eu estava preparada para tudo afinal. A coisa, aquele monstro que me consumia finalmente havia dormido. E toda minha preocupação estava em como a minha prova poderia ter o poder de tirar minha bolsa na universidade. Ok, pensamento positivo, pensamento positivo. Obvio que eu iria passar. Eu precisava. Até ia chegar 30 minutos mais cedo apenas pra relembrar tudo e mostrar minha inteligência relâmpago para aquele professor. É, tudo daria certo. E na sexta feira eu estaria atirada na minha cama com uma sensação de dever cumprido. As férias estavam tão próximas que eu quase podia tocá-las.
O que eu não sabia, é que em algum lugar da cidade havia um caminhoneiro impaciente que estava completamente maluco pra fazer o que quer que fosse. Assim como eu. Duas pessoas ansiosas às sete horas da manhã, mal podendo esperar pela sexta-feira que ainda parecia tão distante.
O bom é que chegamos rápido ao meio do caminho.
O ruim é que nos cruzamos na sinaleira.
E se você quer saber, assim como a Macabéa que teve sua estreia na desgraça de um atropelamento, eu tive a minha própria hora da estrela.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Maria

Os olhos castanhos dela me encaravam através do vidro de cristal. Estávamos frente a frente, estudando a perfeita igualdade de ambas. Mas havia nela uma jovialidade que não me pertencia, um certo prazer nos olhos, um brilho de inocência nas pupilas negras. Recusei-me a continuar olhando para aquele rosto estranho: era demasiado instigante pra mim. Mas ela, teimosa, não desviava o olhar. Sorria para mim com os lábios travessos de quem planeja alguma arapuca e se vê satisfeito desde o pânico precoce na expressão da vítima. E, obviamente, eu tinha esse pânico precoce. Medo do que ela poderia me mostrar ou fazer. Aliás, onde estavam as pequenas rugas dela que não ali junto das pontinhas dos olhos?

Maria, Maria apareça aqui logo, preciso de tua ajuda. Onde diabos aquela negra se enfiava quando se precisava dela?

"Que quer de mim, senhora?" Maria apareceu, de sobressalto, com as saias sujas seguradas pelos dedos finos. Olhava-me com um misto de impaciência e curiosidade. Era uma boa criada, pena que às vezes cismava em pensar demais.

"Quero que me alcances o rímel."

Dito isso, ela prontamente o pegou na cabeceira que estava a 45 centímetros de mim, tentando esconder uma careta de decepção.

"Posso voltar senhora?"

Olhei de novo para o vidro de cristal na minha frente. Era tão pequeno, que eu podia segurá-lo com as mãos de modo que a vista de meus próprios olhos se tornasse mais clara, mais acessível. Engraçado isso, a gente tentando ficar mais perto dos nosso próprios olhos. Uma coisa bem complicada de se pensar, quando se para realmente pra pensar. Mas eu não sou uma dessas mulheres que se casam e ficam a vida inteira pensando em coisas vãs. Isso é coisa de negro fazer. E se a negra na minha frente tomasse conhecimento das minhas dúvidas, talvez as roubasse pra si. O que não era uma má ideia.

"Senhora, eu posso voltar para a cozinha?" Repetiu ela. Maria era muito impaciente às vezes. Não sei que que me deu na cabeça quando fui compra-la.

Mas onde eu estava? Ah, sim, nas rugas.

Olhei impaciente para aquele vidro estranho que chamavam de espelho. E a menina continuava lá com aquela boca vermelha e sorridente. Ah e que dentes! Em pensar que se parecem tanto com os meus... Então me veio um entendimento dentro da alma: Ali era o meu espírito! Sim, sim, meu espírito! Oh que descoberta a minha, sou genial, sou genial, sou genial! Será que mulheres podem ganhar um prêmio de gratificação pela inteligência?

"Senhora, eu não quero parecer impaciente ou mal educada, mas se eu não voltar pra cozinha agora, a comida vai secar e talvez pegar fogo..."

"Já que esta tão apreensiva, então vá. Vá, faça suas coisas de negra e depois volte. Quero lhe mostrar uma coisa, uma coisa que acabei de descobrir. Vai negra imunda, vai, mas não se esquece de voltar."

E ela foi.

Maria sempre foi uma boa criada, mas ainda era impaciente e mau educada também.

Mas essa menina do vidro era eu? Ou o espírito da menina que me encarava era meu espírito mais jovem? Ou eu que tinha rejuvenescido?

Oh, oh outro entendimento! Sou tão genial... Com certeza isso aqui não é um espelho comum. É um espelho de rejuvenescimento. Albert Einstein não sabia de nada! Oh que filosofia tola aquela que se baseia nos cálculos. Nunca precisei de cálculos e no entanto sou um prodígio da ciência, da astronomia, da medicina, das artes e de todas as ciências do século! E cadê aquela negra pra me aplaudir?

"Ô Maria vem cá que eu tenho que te mostrar uma coisa! É meu espírito Maria, é meu espírito!"

Negros são todos malucos. Sério mesmo. Depois que vi a Maria entrando no meu quarto com aqueles olhos esbugalhados e os dedos finos na saia suja e o cabelo emaranhado num coque mal feito, pude perceber que era louca. Louca mesmo. Até despedi ela depois daquele dia. Ora, pois a doida da Maria veio me dizer que sempre via espíritos e que sabia que o meu estava ali. Que burra, que burra... Ah pobre negra... Que será que ela fez pra ser tão burra?

Só eu via meu espírito porque meu espírito estava dentro do espelho. Tu não vês negra tola? Eu perguntei. E ela só disse um "Não, senhora". E daí eu mandei ela embora. Ela ficou chorando dizendo que não tinha pra onde ir. Mas a verdade é que a Maria sempre foi muito impaciente, e muito maluca e muito ambiciosa também. Ela veio me dizendo que aquilo era um tal de reflexo da luz e que eu só estava olhando pra mim mesma. Que absurdo! Ela queria roubar minha ideia, disso eu tenho certeza. Mas é que a Maria sempre foi muito invejosa e muito metida a inteligente. Daí eu fiz uma coisa que só mulheres ricas e prodígios que nem eu fazem: Quebrei o espelho. Fui ali, bem no meio do problema. Aquele espelho horroroso e a Maria ensanguentada. Ah Maria... Que negra mais assustada. Foi só uma batidinha Maria, só uma batidinha.

Hoje eu entendo porque ela foi parar no hospício. Era doida a negra. Ficava inventando histórias de espíritos e de reflexos e de comida e depois ainda tentou tirar a própria vida. Que que ela tinha de deixar a cabeça embaixo do meu espelho de propósito? Quebrou o espelho e quebrou a cabeça. E foi pro hospício. Até hoje não entendo. E nem quero, por que pensar essas coisas é coisa de negro. E eu sou branca. Com sangue azul e tudo. Sério mesmo.

Fatalidades

21/10

22:45 - Oi, eu sei que tu está aí.

22/10

20:08 - Oi, boa noite, amor. Tudo bem?

23/10

14:00 - Amor, me responda.

14:01 - Beto, me responde eu sei que tu tá aí.

24/10

16:07 - Roberto eu te vi hoje na rua com ela. Ela te faz feliz?

16:07 - Eu te amei tanto... Por que tu me trocou?

25/10

15:54 - Sabe, Roberto eu esperava mais de ti. Por que tu fez isso? Eu sempre fiquei aqui por ti, eu sempre fiquei...

15:54 - Eu não aguento mais. Adeus.


 

25/10

16:05 - Mari? Tu sabe que o Norberto voltou pra cidade né? Aquele meu irmão gêmeo que vive trocando de namorada, ele tá com uma loira esquisita agora, mas o importante é que não era eu.

16:10 - Acredita que eu fui assaltado segunda-feira e me levaram o celular? To morrendo de saudade de ti! Meu computador estava no concerto, mas agora consegui voltar.

18:00 - Quando ler isso me manda uma mensagem tá?

19:00 - Amor?


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Jornal do dia – Manchete: Mariana Velloso Dutra cometeu suicídio após ter flagrado seu namorado com amante. Mais detalhes na página 35.

É castigo ou não é?

A gente fez questão de se conhecer depois que já se amava. Não sei direito como explicar isso, mas vou tentar ser bem direta: Eu o amava antes de conhecê-lo. Acho que tem mais ou menos a ver com aquela história de destino e tal, quando dizem que nossos caminhos já estão cruzados e simplesmente nos encontramos por que Deus quer ou porque tinha que ser assim ou porque já estava escrito desse jeito. Não sei, mas sei que o amava. Desde aquela unha torta do minguinho do pé direito até o último fio do cabelo castanho claro que sempre faz questão de se rebelar quando o dia fica chuvoso. No fundo eu sei que sempre esperei por ele. Sabe, tipo quando a gente encomenda algo na pizzaria e depois de uns minutos os caras batem na nossa porta trazendo exatamente tudo que queríamos. Tá vou ser sincera: não foi tudo que eu queria. Pra falar a verdade, eu sempre preferi homens mais baixos e com o cabelo preto. Ah e não se esqueça da pele limpa – e quando eu digo isso estou me referindo àquela barba rala que dá uma aparência de mendigo e que, honestamente, eu nunca gostei muito. Quer dizer, isso é tipo quando a gente pede uma pizza metade quatro queijos, metade prestígio e recebe uma metade alho e óleo e metade banana com canela. Mas aqui está o que eu recebi: Um homem de cabelo castanho claro quase louro, uns quinze centímetros maior do que eu e aquela linda barba de mendigo. Deve ter tido algum problema com o meu pedido, talvez eles tenham confundido com um de uma amiga minha que sempre amou caras quase louros e pizza sabor banana, mas eu não me importo mais com isso. Na verdade eu fiquei puta. Sério, fiquei puta mesmo quando vi esse homem com quinze centímetros a mais do que eu tirando o coração de dentro do meu peito e guardando dentro da gaveta do criado mudo dele. Um criado mudo muito feio, se você quer saber. Mas eu não me importo. Tudo que me incomoda é que ele guardou aquele órgão meu lá e agora eu não sei mais como pegar de volta. E sabe, isso irrita às vezes. Tipo, fala sério, o cara é um completo idiota. Que tipo de homem aos 23 anos de idade ainda não decidiu sobre qual faculdade cursar e fica olhando com cara de idiota para aquelas pranchas estúpidas em lojas de surf? Nada contra surfistas, mas é que às vezes é bom termos outros interesses, sabe. E a propósito, ele é muito imbecil. Sério. Que tipo de homem aos 23 anos que nem faculdade concluiu ainda, consegue ouvir bandas daquele tipo? Quer dizer, ele escuta Armandinho. Porra, ele me fez até uma serenata com uma música daquele cara. E eu nem sabia a letra, por que aquilo não é música. E quer saber de mais uma coisa? Ele me irrita. Deus, como ele me irrita. Que homem mais burro, estúpido, arrogante, ingênuo, confuso, indeciso, orgulhoso, egocêntrico, vaidoso, patético, infantil, irresponsável, grosseiro e completamente, totalmente insuportável. Isso só pode ser algum tipo de castigo. Não, sério, Olha bem pra minha cara e me diz: Isso é um castigo ou não?

Sei lá, eu nunca fui uma mulher crítica. Nunca falei mal de ninguém e tal. Tá, só quando a pessoa merecia. E tudo bem, pode me chamar de bipolar. Mas aquele homem, ah ele me tira do sério. Mas eu já amava aquele imbecil antes mesmo de tê-lo visto. Agora tu me entende? Quer dizer, se não fosse amor, eu já poderia ter pegado meu bom senso minha capacidade mental e minha dignidade e um ônibus econômico pra São Paulo, e ficar lá tentando ganhar a vida com um diploma estúpido de publicidade.

Mas não, aqui estou eu. Completamente apaixonada por um imbecil. E o pior é que até isso eu amo nele. Agora olha bem pra minha cara, mas olha bem mesmo e me diz: É castigo ou não é?

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Tuesday, 03:00 a.m.

There is some monsters. To be more specific, are monsters in my bed. Various of them. And on my table, aren't books. Are just demons. And I'm screaming. "God, God, where are you? God?"

Are many monsters, so... What will I do now?

Are monsters in my bed. And I just can't wake up and this make me so sad... What I will do now? God will save me? Hey God, save me, save me... Please?

So, I finally agreement. And boy, it's hot here. I'm saying, very, very hot. You know? As an oven. And has water on my body. And has insects on my room. And... wait... what hell is that? Is so darkness here and so silent... Have monsters here! And... I just can't fight, I just can't scream anymore and... for some motive, I'm speaking in English with myself.

So, I feel my telephone on my left and I can see my salvation! Yeah, yeah, I'll get it!

I remember a voice on my head, that says: "Call me, whatever what happening or what hour supposedly to be. I'll be there for you, always." And... I call.

In the other side of the phone, one sound comes. He just shuts down. But I need this, I need so... Who knows if a send a message?

"Hey, can you speak with me?"

Send this message.

Message is send.

One, two, three, four, five, six, seven, eight, nine, ten... OK, now I'll call again.

In the other side of the phone, has a nicest and sleepy voice.

God, I shouldn't have turned to him.

Really.

"Hey, what happening? Are you ok?"

No.

"Yes, I just had a bad dream, you know?"

And now, what you have to say, idiot? Ok, let's see this: "Hey sweet, how are you? I'm just calling to say that you're crazy and I love you for this!" or "Hey idiot, I'm just passing a hoax, ha ha" or "Hey, I'm sorry for this and for the hour, but I'm afraid and scared. Can you hear me for few minutes?"

Ok, third option. And he says "Ok... But, what happening? I thought that you have said that we won't might speak anymore..."

I said that? But hear him is just so comforting... Ok, he's right. Hang up the phone and go sleep, stupid. What kind of girl am I so? I'm saying, hey, you don't have to call to your ex boyfriend to you can sleep. Do you?

No, no, no. It's wrong. Very, very wrong.

"Look, I'm sorry, ok? I really shouldn't call to you. Good Night."

He must be sleeping standing on the kitchen floor now. I know that. I know him. And I'm just the upset girl that calls a guy in the middle of the night to say "hey I'm scared, can you listening to me?"

What's my problem?

Really, someone else can beat me, please?

But when I finally saw my mistake, he just says: "I love you."

And in this moment, my world falls. With my tears. But he don't need know this. No... He really don't need...

I wanted to say:" Thanks for put the shadows and the monsters away from me. And thanks for be who you are. And thanks for stay here for me".

But I don't say this. I can only say "bye".


 


 


 


 


 

domingo, 27 de novembro de 2011

Epílogo

Eles taparam seus olhos com uma venda, entupiram seus ouvidos com lixo e lavaram sua boca com ácido.

O que aconteceu depois, foi apenas consequência disso.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Choremos

Sentia-me só e cansada. Não estava propriamente inclinada a ter estudos mais complexos de um assunto que não via interesse algum. E isso se tornava tão cansativo e repetitivo quanto à aula escassa de inglês que meu dinheiro poderia pagar. Corrijo-me: o dinheiro de meus responsáveis. Eu e essa injustiça de ser estudante, na minha trágica emoção de manter-me dependente dos mais velhos. Tão propensa a rupturas, tão cuidadosamente triste. E chovia... Chovia... Mas eu não tenho guarda-chuva, não tenho um casaco quente e não tenho pra onde correr, então mantenho-me forte e determinada em baixo dessas gotas frias de novembro. Alguém chora lá em cima, vês? Alguém está chorando toda sua dor, enquanto eu, ignorante do que acontece, recebo essas lágrimas puras do ferimento abatido. Mas por que será que choras? Será dor de dente? Dor de cabeça? Dor de amor? Não... Não quero que seja dor de amor. Essa dói demais e demora demais para cicatrizar. Portanto, sem dor de amor, por favor. Prefiro pensar que é uma dor insuportável de dente, algo impossível de conter dentro de si e que por isso causa a irritação nas órbitas do ser misterioso que chora a cima de nossas cabeças. Chora então, oh gigante tristonho. Eu não te prometo nada, mas asseguro que ficarei aqui, tentando desvendar-te enquanto acolho para mim a tuas lágrimas. Mas por que elas têm de ser tão frias, tão cortantes? Sinto frio, não sabes? Sinto frio e é por culpa tua e da tua dor suplicante. Mas não te culpo, por que há certa felicidade nisso. Não para ti, mas para mim. Sinto-me idiota, mas não posso simplesmente ignorar o sentimento de compaixão que me sobressalta ao peito: felicito-me! Sim, sim sinto-me feliz em sabê-lo triste.

Oh, não vês então o que eu vejo? Tu és um gigante, uma criatura muito mais forte do que eu, e, ainda assim, choras. E se tu, que és gigante e não teme nada de maior que exista nesse mundo pode ter o coração destruído em pedaços, que direito tenho eu de punir-me por sofrer? Ah, engano-me, é dor de dente. Tens razão, todos nós temos dor de dente. Mas não temos culpa se de repente o dente é engolido pelo coração e os dois se partem em uníssono na celebração lamuriante da dor. Na minha compaixão, sofrerei contigo meu amigo. Não te conheço e nem sei que tipo de criatura realmente és, mas se insistes tanto em chorar, chorarei junto a ti, como a boa amiga que te serei.

Choremos, choremos.

Onde estás?

Não adianta, não dá pra ler nada. Eu quero escrever. Ai meu Deus, eu quero escrever tanto, a ponto de meus dedos sangrarem de tanta força. Eu quero chegar no fim do dia com o corpo exausto e o coração palpitante de alegria naquele sentimento abençoado de sublimação. E há nesse exercício um prazer tão complacente, tão misterioso, que me engana, me grita, me usa. E eu, nos recônditos do meu estômago, escondo borboletas que brincam enérgicas na possibilidade de se tornarem bailarinas da minha próxima peça. Oh Shakespeare, onde estás tu para ser o meu Romeu moderno? Oh Lispector, onde estás tu para ser minha dama de honra?

E eu pego o livro com as mãos sedentas, mas não, não consigo me concentrar, não dá, não dá! Quero criar. Quero escrever. Sentir que faço alguma coisa. Sentir que dentro, lá no fundo mesmo, se revoltam figuras e mundos e explodem coisas que precisam ser exteriorizadas. Era isso. Era o isso o que me faltava. Estava triste e agora não estou mais. Oh Goethe, onde estás tu para sofrer as desilusões comigo? Oh Machado, onde estás tu para me pôr de volta à realidade? Quero, quero. Quero tanto... Que não sei direito o que querer.

Seria bom

Não me lembro quando, mas sei que vai ter um show de rock clássico num lugar que chamam de "barkhouse". Disseram que ia ser bom. Tá, na verdade não disseram nada disso, mas eu disse a mim mesma que seria bom. Uma espécie de amizade crítica que criei para mim mesma. Como é mesmo aquela música que diz algo assim: "Olá, aqui é sua mente dando a você alguém com quem conversar, olá...". É, a música é algo assim e faz total sentido pra mim. Não acho que seja loucura, mas já que sou um ser social que tem medo de sociável, crio amigos. E seria bom se pudéssemos sair de vez em quando, tipo pra ir na casa do barkhouse. O que você acha?
"Acho que seria bom."
Então vamos?
"Vamos."

E fomos. Eu e meus dois amigos. Ou amigas. A verdade é que ainda não decidi. Tá são iguais a mim, porque só assim é que vão poder saber o que eu falo em pensamento sem que eu precise andar por aí falando alto. E fomos. Bebemos. Voltamos. Ê vida boa hein, amigos?
"Nem me fala"
Mas sempre tem alguém pra estragar a felicidade alheia, como por exemplo aqueles amigos de verdade, que conseguimos fazer no exterior. Não, não digo do exterior do mundo, mas... ah acho que é algo assim mesmo. No exterior do nosso mundo. Sabe, de dentro pra fora? Os amigos de carne e osso e veias e tendões. É, esses aí mesmo. Eis então que um desses chegou na minha casa e disse, como se tivesse o direito: "Por que tu falas sozinha?"

Perguntou na inocência mesmo, com os olhos arregalados e tudo. Se eu fosse o Stephan King poderia dizer que até vi o espectro dela mudar de cor e tal, mas eu não sou desse tipo de gente paranormal. Sou apenas alguém que enxerga meio borrado graças à miopia e não consigo ver o espectro de ninguém. Mas a verdade é que aquela pergunta me pegou de surpresa. Eu não falo sozinha!
"Tu falas sim!"
Não falo.
"E o que tu estás fazendo agora?"
Mas isso não é da tua conta, e para de ficar conjugando o verbo corretamente. Isso é coisa de viado.
"E além de mentirosa, também é preconceituosa?"
Não! Quer calar essa boca?
E eu disse isso em voz alta. E a minha amiga - aquela de carne e osso e tendões e olhos arregalados - ouviu. E parecia que ela estava assustada. Não sei, não entendo o comportamento de gente. Mas sei que ela ficou assustada. "Você fala sozinha mesmo!"
E aquela discussão, que antes eu discutia com a cópia invisível de mim, se repetiu. Mas dessa vez eu nao aguentei. Eu não falo sozinha e se eu falo ela não tem nada a ver com isso. Não é?
"É".
Então, que que eu faço?
"Mata ela."
Mas e se eu for presa?
"Não vai ir, é só matar. Daí a gente ve se espíritos existem ou não..."
Ah, eu não sei...
"Não mata!"
"Mata sim!"
Não sei direito como tudo aconteceu tão rápido depois, mas na hora me lembrei onde estava o revólver do meu avô. E era um calibre 38 e tal. Uma bala que explode por dentro do corpo e fazia a pessoa morrer antes de saber que tinha morrido. Mas morrer não parecia tão ruim... Talvez ela vivesse, né?
"É"

Então eu matei.

Não sei, não entendo direito. Mas ela não gritou nem nada, só continuou ali, com aqueles olhos arregalados e uma poça de sangue embaixo do furo dentro do crânio. Mas eu não vi espírito nenhum, nem luz nenhuma. Nem escutei o barulho do trem ou coisa do tipo. Talvez morrer seja só morrer. Né?
"É"

Seria bom se ela tivesse ido no barkhouse com a gente, afinal...

Raimundo

Era uma vez um garotinho.

Tão bonito, tão pequeno.

Mas sentia que morria pouco a pouco na sua vida inocente de criança. Não queria morrer, mas morria. E quando olhava pro céu, pedia coisas para um ser que diziam que cuidava dele. Como chamavam mesmo? Ah, é. Chamavam de Deus. Então ele pedia a Deus um sorvete. Pedia a Deus um carrinho. Pedia a Deus um boneco de guerra. Só que as coisas não caíam em suas mãos como ele queria que caíssem. Daí ele foi pra catequese. E lá diziam que Deus era bom e que Deus o protegia. Mas se o tal de Deus era bom, por que é que não tinha mandado o sorvete e o carrinho e o boneco? Daí diziam que Deus escrevia certo por linhas tortas, e que ele, na sua imensidão misteriosa, sabia exatamente do que precisávamos antes de pedirmos. Mas isso não mudava o fato de que o sorvete e o carrinho e o boneco de guerra realmente não tinha caído do céu.
Daí o garotinho largou a catequese por que sentia que morria por dentro. Ele morria toda vez que pedia uma coisa a Deus e Deus não dava a ele. Então ele deixou de acreditar em Deus. E achou tantos, tantos amigos que também não acreditavam, que finalmente se sentiu inserido em algum lugar. O bom é que o garotinho passou o resto de sua infância, adolescência e amadurecimento sem querer saber do tal de Deus. O triste é que, a cada dia, sentia que estava morrendo por dentro, sentia um fedor estranho de dentro do seu estômago. E percebeu que estava doente, e o fedor era podre e a morte estava perto. Daí vieram o padre, o pastor e a freira e até uma senhora que era sua vizinha e tinha mania de acreditar nas coisas.
E ele nao quis saber de nada do que eles tinham pra dizer. Fechava os ouvidos e trancava os olhos com os cílios, numa forma desesperadora de se manter na sua inteligência.
"Mas por que tu nao queres saber de nada, Raimundo? Deus salva, Deus salva!"

E Raimundo achava graça.

E na sua desgraça engraçada, ele morreu.

Marx e Durkheim

Eu definitivamente não estava afim de escrever. Mas era obrigada por todo esse bando de obrigações estúpidas nas quais estamos inegávelmente inseridos. Aliás, de que me vale o conhecimento de Marx ou Durkheim? São burros e idiotas. Sociólogos estúpidos que tentavam entender o mundo num ciclo propenso à destruição. Mas, querendo ou não, eu os conheço. Não como alguém que estudou por décadas sobre suas vidas, mas como alguém que leu alguns textos xerocados no prédio mais barato da universidade, apenas para ter na cabeça imunda algumas informações baratas sobre duas pessoas que podem me fazer ganhar aluns pontos em uma prova qualquer da minha maldita cadeira de sociologia jurídica.

Daí eu fico assim: parada. Aliás, de que me vale conhecer Marx e Durkheim? Não, não me vale nada, além de um zero vírgula tantos naquela prova, mas eu já disse isso. E quem se importa?
Não vale a pena gastar minha imaginação falha em palavras medíocres de um texto de terça-feira. Aliás, o que Marx e Durkheim diriam de mim? "Bela covarde você, hein amiga".

Ou talvez dissessem isso em alemão o que os tornaria claramente mais elegantes e clássicos e modernos e estupendos do que eu na minha insignificância do português errôneo desse país de terceiro mundo.
Ah, quer saber? Acho que na verdade eles se matariam. É, se matariam mesmo. Quando vissem que a saúde e o bem-estar público são menos importantes do que a economia capitalista de um país dito democrata. Não temos estrutura, porra. Não temos. Daí vem todos aqueles lindos artigos sobre democracia e igualdade e garantias fundamentais. Pro espaço com garantias fundamentais. Me ensinam todos os dias lorotas de que somos iguais e de que temos direito à moradia e à proteção e a um bando de frescurice política pra manter as boas aparências. Daí vem aquela outra estupidez jurídica que chama de "formal e material". Pro inferno com "formal e material". E se tu não entendes nada do que eu digo, que dirá de mim! E eu digo porra mesmo! Porque se uma merda duma norma existe, então ela existe!

Ah dane-se Marx com sua ditadura socialista. Dane-se Durkheim com suas teorias sobre sociedade. E dane-se Rousseau com seu sotaque francês e esquizofrênia genial. E dane-se a mim que tento criticar fragmentos de um conhecimento ralo que sou obrigada a receber.

Não, crianças, não me escutem.

Eu sou burra e jovem. E jovens não sabem de nada.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

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"Você é tão errado e cheio de estragos. E me peguei olhando pra tudo isso e amando tanto, tanto, tanto." - Tati Bernardi

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Texto sem título


Ela pisou sem dó no meu meio sorriso, fazendo ele virar um pavor inteiro e verdadeiro. Eu canso dos meus meio sorrisos tanto, tanto, que prefiro que a vida seja assim mesmo. E aí me pergunto se chorei de tristeza profunda ou alegria libertadora, o que acaba dando no mesmo porque minha profundidade me liberta. A barata preta, enorme e voadora posou no canto da minha boca. E eu pude chorar todos os meus medos no seu sofá e eu pude ficar curvada do jeito que a minha sombra, que só eu vejo, é.


E eu pude borrar todos os meus disfarces e ficar feia sem culpa, porque a dor consegue ser sempre maior do que qualquer culpa, por isso o meu vício em sofrer. Eu chorei a nossa imperfeição, eu chorei a saudade enganada da nossa perfeição, eu chorei a nossa necessidade de não se largar, eu chorei a nossa necessidade de se largar, a nossa necessidade de fugir do mundo em nós e a nossa necessidade de fugir de nós encontrando amigos. Eu chorei o nosso ego que sempre tem respostas para tudo e não pode perder, chorei o nosso silêncio cansado de perguntas e desprovido de interesses, a pobreza do mundo que nos impossibilita de sermos felizes sem culpa, a falta de simplicidade que eu tenho para ser feliz e eu chorei o espaço da nossa alma que ainda falta evoluir. Eu chorei o nosso medo de não sermos o que sonhamos. Eu chorei o medo que eu tenho de não ser quem você quer e o medo que eu tenho de ser exatamente o que você quer. Eu chorei porque precisava de colo, porque precisava te mostrar a minha fragilidade escondida no meu mau-humor. Eu chorei de birra do meu lado homem. Eu chorei porque vez ou outra ele ainda bate na minha porta e eu o deixo entrar, e eu sei que isso é medo do tanto que você habita todos os lugares. Eu chorei porque eu te amo mas eu não sei amar. Eu chorei porque eu sempre canso de tudo e tudo sempre cansa de mim. Chorei de cansaço profundo de sempre cansar de tudo e tudo sempre cansar de mim. Chorei de apego ao cheiro do novo e principalmente de melancolia pelo cheiro do velho. E chorei porque tudo envelhece com novos cheiros e a vida nunca volta. Eu chorei de pavor da rotina, de pavor do fim, de pavor de sair da rotina e começar outros fins. Eu chorei meu medo de submissão, o meu medo de vomitar, o meu medo de me mostrar pra você tanto, tanto, e não ter mais o que mostrar. Eu chorei minha infinidade de coisas e o medo de você não querer abrir os mais de um milhão de baús que existem escondidos na caixa cerrada que eu guardo embaixo do meu peito. Eu chorei meu fim e o medo do meu infinito. E eu teria chorado cinco anos se você não me dissesse que já era hora de parar. E eu chorei depois cinco anos escondida, porque eu não sei a hora de parar e não quero que ninguém me diga. Aliás, eu quero sim. Eu quero que você me diga quando for a hora de parar, de continuar e de não pensar em nada disso. Eu quero que você me acorde com uma lista de horas e outras lista de anos e outra lista de encarnações.


Eu quero que você me dê a mão e me ensine o que é um relacionamento porque eu só sei andar de quatro, cheirando xixis nas ruas e rabos alheios. Eu quero que você me ensine a ser uma mulher para você. Ao mesmo tempo eu quero que vocë suma porque eu só quero ser uma mulher para mim. Eu me quero só para mim. Era minha a dor de ser solitariamente para mim. E você a substituiu pela dor de não querer mais ser solitariamente só para mim. Mas tudo é dor afinal, e eu não sei ser leve, eu não sei voar, mas a barata que vôou para o canto da minha boca, sabe. Eu carrego o esgoto no meu ventre negro, mas não sei voar como ela. Por isso ela ainda consegue ser melhor do que eu. E com todos os meus poderes para estragar a vida de alguém, eu ainda tenho medo da barata. Porque ela sabe ser misteriosa, ela sabe incomodar sem abrir a boca, ela sabe enojar o mundo com sua meleca branca sem ter que mostrá-la a ninguém.


Ela é muito mais misteriosa do que eu. Em comum temos as chineladas do mundo e todos os seres amedrontados que querem acabar com a nossa raça. Mas o poder dela ainda é muito maior do que o meu, porque ela não ama, ela não se sente traída pelas chineladas do mundo.
Ela não sabe o que é não entender nada desse mundo e ter medo do tempo. Ela não sabe o que é ter nas mãos o poder de construir e destruir e ter tanto medo desse poder. Ela vive no esgoto e não sabe o que é ter tanto medo dele. Ela aparece sem ser desejada e não sabe o medo que não ser desejada causa. Ela é uma barata e nunca vai saber o medo que a gente sente de se sentir uma. E eu chorei tanto que finalmente transformei meu meio canto de boca num bico inteiro. E chorei porque tenho tanto medo de tudo o que é inteiro, que prefiro viver tudo na cabeça, enquanto o corpo relaxa na minha cama, longe de tudo.


Eu deito na minha cama e imagino tudo o que pode acontecer, enquanto não toco de verdade na vida para não cansar demais e depois não ter forças para viver de verdade. Mas acabo dormindo e deixo pra depois. Mas eu chorei justamente porque descobri que viver na cabeça também é um tipo de coragem, porque eu não protejo a alma de feridas e nem de descanso. Mas aí ela, preta, imunda, nojenta, indesejada, um pedaço do esgoto, vôa em minha direção e me coloca em movimento. E eu corro pra bem longe e não penso, só corro. E isso é tão diferente para mim, estar em movimento de fora para dentro, que eu choro de emoção.


Eu não pensei, eu vivi.


Eu corri dela, eu vivi o medo. Eu vivi o nojo. E eu chorei de dor de sair da minha bolha interna. Ela me fez ter vontade de gritar para o mundo nojento para que ele deixe meu coração em paz. Meu coração que quer amar em paz e esquecer que a vida pode ser nojenta.


E eu corri de tudo o que é nojento, e eu chorei porque com tantas coisas lindas me acontecendo, eu precisei de uma barata para me lembrar de sentir a vida fora da minha bolha.


Ela perfurou minha proteção e saiu da minha rotina. Ela invadiu tudo e me lembrou que as coisas podem dar erradas sim, quando se menos espera, e não adianta nada estar com o chinelo preparado na mão para se defender da vida. A vida voa na sua cara, esbarra no seu rosto, suja sua vaidade, corrompe suas certezas, e você não pode fazer nada. A não ser lavar o rosto e começar tudo de novo.


- Autor Indefinido

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Cachorro

"[...]Qualquer coisa menos precisar tanto parecer uma mulher bem sucedida, trinta e poucos, apartamento próprio, família equilibrada, corpo em ordem, um amor para dormir embaixo das estrelas, uma vagina depilada e feliz, o cabelo das famosas, o cheiro da moda, a última notícia, o plano dos filhos para logo mais, os rendimentos milimetricamente estudados, os jantares com os casais que riem tanto mas preferem nunca tocar nessa coisa que aterroriza todo mundo, os almoços com quem pode me ajudar na roda social, os ciúmes bem escondidos, as dúvidas bem superadas, a desgraça bem disfarçada, o ódio transformado em "deixa pra lá, afinal, triste é ser só". E sorrir, e salto alto, e jogo de cintura e acordar meia hora antes pra maquiar meu cinza. Mas ele desperta preguiçoso, arrasta uma remela com a pata suja, lambe o próprio pau como os animais de estimação que odeiam a domesticação mas adoram a mordomia. E olha pra mim, sério e sábio e puro e apenas bicho. E eu escuto: seu erro é usar a única força que te mantém viva pra fazer teatrinho de gente."

- Tati Bernardi

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

The blower's daughter - Damien Rice

Então é isso. Exatamente como você disse que seria.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Tentação

Olhávamo-nos.

E, no silêncio amplamente estabelecido entre nós, ignorávamo-nos. Não como dois conhecidos que acabam por esbarrar em uma troca de olhares não planejada, mas como duas pessoas que tinham muitos segredos compartilhados.

Ele exalava desejo, enquanto que eu, na minha tentativa duvidosa de parecer calma, transpirava indiferença.

Paradoxal. Desconexo. Quase incompreensível.

Mas ali nós estávamos: Ambos com a alma em chamas e o corpo inerte. Descansávamos nossas visões um no outro, de soslaio, cuidadosamente, tentando não deixar transparecer a fúria violenta que nos matava interiormente.

E nessa dança ausente de sentimentos exteriorizados, partíamos em busca de lembranças não permanentes, como uma forma adulta de evitar a tentação que nos embevecia os sentidos.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

- Fragmentos disso que chamamos de "minha vida"



"Há alguns anos. Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos.

Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.

Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania."

* Caio Fernando Abreu

-

já vai fazer três anos que eu conheci o significado de uma Pequena Epifania.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

- Liberdade

Eu estava com calor. Mesmo na noite, que supostamente deveria ser fria, estava quente. O suor da minha nuca estava ali para provar isso e eu não posso dizer que simplesmente estava a vontade, por que eu não estava. Alias, ninguém estava. Não que eu tenha sido o mais amável possível, mas nunca quis isso tudo acontecesse. No fundo, eu sempre soube. Sobre o que aconteceria naquela noite, sobre como me sentiria, sobre tudo. Talvez... Talvez eu realmente tenha nascido para viver como uma andarilha. Talvez eu devesse ir para um mosteiro budista ou para um convento católico e preservar minha vida e alma em busca da espiritualidade e da filantropia. Mas eu não podia me dar o luxo de pensar sobre isso. Eu só podia pensar sobre o que seria dali pra frente.

Ela estava me olhando como se soubesse de algo. E eu, na insignificância dos dezoito anos, não tinha razão em nada, ainda que fosse totalmente capaz para qualquer ato da vida civil, como fiz tanta questão de lembrar a ela. Não entendo o por que de tanta magoa. Afinal, não era sobre isso que eles queriam que eu estudasse? Meu argumento só serviu como prova de que meus estudos estão dando certo: a lei ficou gravada em mim e agora ela se tornou minha principal aliada.

Não aguentei mais aquela situação. Fechei os olhos, respirei fundo e tentei mentalizar algo que me deixasse calma. Eu podia sentir os olhares de desprezo sobre mim. A atmosfera estava tão pesada que eu quase podia sentir a pressão que fazia sobre meu corpo. Mas eu me mantive em pe, inerte e com o coração disparado. Decidi que não discutiria dessa vez. Nada de gritos, nada de brigas, nada de incompreensão.

Eu faria o que queria fazer.

O que sempre quis fazer.

Iria embora.

Talvez não pra sempre, mas ainda assim, embora.

Com as mãos tremulas e o peito arfando, juntei minhas malas e, com alguma dificuldade, coloquei alguns ursos nos vãos dos meus braços, tentando levar o Maximo de mim junto comigo. Tentei gravar na memoria a tinta rosa lascada da minha parede, inalei o cheiro da minha janela velha e segurei a tristeza que insistia em sair de dentro dos meus pulmões.

Com uma ultima olhada de despedida, eu disse tchau aquela casa da qual tanto reclamara. E eu soube que ela também se despedia de mim. Num silencio confortável, saudoso, quase imaginável. Nos separamos, ficando cada uma com uma parte da outra.

Atravessei o portão e fui.

No bolso de fora da mala verde, um papel com meu novo endereço escrito nele.

Dentro de mim, a inevitável contradição de sentir-se incompleta e livre.

Liberdade. Uma palavra tão bonita, um premio tão disputado.

Era um preço alto a se pagar.


 

Ruelas

Olhei pra trás pela ultima vez.

Eu sabia o que estava fazendo.

Iria doer, mas eu faria.

A dor da partida iria reparar a dor da permanência.

Por isso eu fui.

Fui embora.

Na verdade, ainda não fui, mas estou indo.

Agora.

Pra sempre.

Sem choro, sem arrependimento.

Apenas ir.

E não voltar ate que o pesadelo termine.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

PPP - Pequena Poesia Platonica

Eles estavam fartos.

Não totalmente fartos de tudo, mas ainda assim, fartos.

Olhavam-se com uma nevoa de tristeza que superava qualquer sorriso forcado que tentassem dar. Afinal, estavam fartos. Não um do outro, mas fartos. De sofrer, de conversar, de discutir, de brigar, de fugir, de ignorar. Fartos do que o mundo havia feito com eles. Fartos de dar explicações a quem não merecia saber sequer uma virgula, de se preocupar com a visão de estranhos que supostamente merecem essa preocupação, de evitar os abraços e beijos que não poderiam compartilhar mesmo que estejam juntos. Estavam simplesmente fartos de tentar ignorar a necessidade do toque. Fartos de criar uma historia de amor na qual os personagens se amam por olhares e se contentam com beijos rápidos. Queriam mais. Precisavam de mais. Sentiam-se injustiçados ou castigados por não poderem simplesmente ficarem juntos.Algo tão simples e ainda assim tão complicado. Sentiam-se castigados por motivos que desconheciam e, nessa confusão de desejos, acabavam sentindo-se pequenos e ignorados.

Amavam-se. E na grande ironia que compunha essa historia, viam-se forcados a quererem mais do que sentimento, mais do que amor. Por que amar não era suficiente. Querer não era suficiente.

Eles queriam um ao outro. Mas, muito mais do que apenas desejar, eles também queriam ter. Sem verbos auxiliares, sem porém, sem complicações. Partir diretamente do "eles" para o "ter". Eles ter. Eles ter um ao outro. Sem o "querem", por que apenas o querer já não bastava. Assim como o amor sem expressões não bastará.

A poesia de nada vale sem ser escrita.

E é exatamente isso o que os mata.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Sobre aprender com os erros

- Sai, sai e não volta mais!

Eu encarei seu rosto rígido, seus olhos vazios. Ele falava diretamente comigo, como se não me conhecesse. A voz grossa mais parecia com um rugido feroz do que com aquele ronronar aveludado de cinco anos atrás. Nos mudáramos. Mais do que queríamos e, consequentemente, mais do que conseguiríamos suportar. Sem muitas alternativas, tentei pensar em uma forma pacifica de evitar mais uma discussão, alguma forma que pudesse desviar dos insultos que viriam. Mas as coisas ja tinham chegado a tal ponto, que a mera menção de uma palavra de sentido oposto era o suficiente para despertar o ódio mordaz que nos separava. Respirei fundo, apertei as minhas temporas e sussurrei:

- Por favor, hoje não.

A bomba explodiu.

O homem na minha frente havia arrumado um jeito estranho e equivoco de interpretar cada virgula pronunciada por mim e, ao invés de promover a paz mundial, eu causei o apocalipse. O sangue lhe subiu a cabeça e os olhos ficaram esbugalhados em uma forma de desprezo que somente ele sabia como fazer. Me lembro que a frase mais suave que saira de seus lábios fora um "sai da minha casa, vagabunda" e nada mais. Uma simples frase. Um simples insulto. Chega a ser engraçado a forma como as palavras perdem certo sentido quando são repetidas por diversas vezes. A situação já estava tão imensamente preocupante, que a palavra "vagabunda" já não me afetava. Só ouvi a porta batendo depois dos passos furiosos e mais alguns insultos vazios.

E, como se fosse adiantar para alguma coisa, caminhei ate a televisão que havíamos comprado em alguma de nossas viagens baratas, juntei a almofada que ele tinha jogado no chão e sentei-me no sofá que ganhei numa promoção merreca de uma loja de moveis. Eu ate que gostava daquele sofá. Era desconfortável, vermelho, aveludado. E se eu tentasse ficar ali por mais de uma hora, meu corpo iria reclamar com pontadas em todas as partes. E nessa luta constante para encontrar palavras que pudessem surtir algum efeito na minha consciência falha, me mantive com a velha almofada verde que recebera a fúria de um homem imbecil e ironicamente ingênuo. Não me sentia como uma daquelas personagens de romances que choram ou comem chocolate por causa de homem. Eu não sou desse tipo. Mas me sentia como uma estúpida. Uma burra total. Estava perdendo o único homem que tinha a capacidade de me amar de verdade por uma falha que iria me custar muito ate que ele esquecesse.

Na verdade, acho que ele não iria esquecer tão cedo. Ao menos era o que ele fazia questão de me lembrar todos os dias as 18 horas, quando chegava cansado em casa e resolvia colocar a culpa das frustrações do trabalho em cima de mim. Depois de todo esse tempo ele ainda acha que eu tenho alguma espécie de culpa no fato de que ele simplesmente não consegue trabalhar direito. Como já disse, um imbecil. E agora, eu havia me tornado mais imbecil que ele por ter errado. Maldita traição! E nem tinha valido tanto a pena assim. Quer dizer, ate o imbecil do apartamento debaixo - que consegue ser mais imbecil do que meu marido muito imbecil - conseguia ser mais másculo do que aquele americano estúpido. Fui fraca. Fraca por ter sido levada por um sotaque que nem é tão envolvente assim e mais fraca ainda por não ter saído na hora certa. E, como se não bastasse a minha falha, ainda tenho que ser lembrada disso toda vez que ele resolve me culpar pela própria incompetência. "Vagabunda" ele diz. "Vagabunda". Vive repetindo isso, como algum tipo de mantra curador de todas as doenças.

Meu relógio apitou. O apartamento ja estava escuro no momento em que o crepúsculo chegara. As janelas, fechadas, não me transmitiram isso, mas eu não precisava olhar pra fora pra saber. Na televisão, uma novela estúpida sobre um casal estúpido que fazem traições estúpidas. Eu já estava farta disso. Levantei, fui ate a cozinha e tentei achar algo comestível naquela casa imunda, sem muito sucesso, quando meu telefone vibrou no bolso esquerdo da minha calca de abrigo. E na hora eu reconheci o numero: aquele italiano bonitinho e imbecil que já estava dando em cima de mim ha algum tempo. Não quis atender. Chega de homens por hoje. Sem americanos, sem italianos, sem vizinhos. Acho que essa historia de adultério já ficou meio brega. Talvez o casamento seja mesmo aquela historinha bonitinha de gente que fica junto só com um imbecil a vida inteira. Eu rio com o pensamento: se sair com vários imbecis já me soa entediante, quem dirá com apenas um? Realmente, um pensamento descartável no emaranhado de reflexões que o imbecil oficial me colocara. Alias, onde estaria ele? Jogado na sarjeta, talvez? Eu disse que me arrependera, disse com todas as palavras que não iria repetir isso de novo. Eu ate tinha prometido a mim mesma não cometer esse erro. Dizem por ai que errar uma vez é humano, mas errar duas vezes na mesma coisa é burrice e burra eu não sou. Voltei pra sala, sentindo uma coisa estranha no peito. Queria saber onde ele estava e o que estava fazendo. Será que voltaria pra mim?

A porta se abriu no momento em que William Bonner me dava seu lindo "Boa noite" e eu olhei diretamente pra figura que estava atrás de mim. Meu imbecil oficial. A barba mal feita, as olheiras profundas. Mas a fúria que ele sustentava ha duas semanas já não estava mais presente nos olhos. Ele parecia calmo, arrependido. E eu não pude evitar de lembrar de como tudo isso começou: Eu e o americano estávamos numa noite entediante em um hotel entediante. Ele, com o inglês mais carregado possível, me aplicava uma cantada barata e eu, no meu ócio supremo, sorrindo falsamente só pensando no momento em que essas convenções sociais terminariam e faríamos o que queríamos fazer. Mais ou menos trinta minutos depois, la estava eu, colocando minhas roupas com um sentimento de insatisfação terrível enquanto o imbecil me olhava com admiração. É sempre assim. Esses homens estrangeiros não entendem nada de mulheres. E mais uma vez, eu tinha de me contentar com o pouco que eles ofereciam apenas pra ter alguma espécie de diversão. Embora essa diversão as vezes se deve ao simples fato de que posso rir de sua estupidez. Mas, voltando, la estava eu com meu sutiã na mão esquerda e o cabelo emaranhado no rosto, quando o imbecil oficial entrou pela porta e me encontrou naquele estado. Depois disso, foram longas semanas de "você não me merece" pra lá "você é uma vagabunda" pra cá e todas essas babozices de homem traído.

Tentei me recompor. A lembrança ainda me deixava um pouco tonta. Não só pelo fato de ter falhado em ação, mas também pela simples lembranca do que aconteceu depois. Uma briga patética entre dois homens patéticos. Um se provando mais idiota do que o outro, como se tirar sangue ou deixar hematomas funcionasse para alguma coisa. Seria muito divertido e eu ficaria honrada se a tal briga não tivesse sido desprezível a ponto de ambos quebrarem os pulsos e não conseguirem lutar como homens de verdade. Então, com um pouco de desprezo e um pouco de esperança, olhei para aquele rosto cansado na minha frente, torcendo pra que ele finalmente tivesse encontrado uma nova palavra no repertorio das acusações, por que a tal da vagabunda já estava se tornando cansativa.

Surpreendentemente, ele se aproximou de mim. Como se tentasse me pedir desculpas por algo que não tinha feito. Eu esperei pacientemente. Não estava com paciência pra isso hoje. E então, um pouco tarde demais, percebi que ele carregava um copo de milkshake de chocolate. O meu preferido. Junto com um buque enorme de rosas vermelhas. Pisquei duas vezes. Meu imbecil oficial finalmente havia voltado pra mim. Caminhei lentamente ate ele, tentando ser cuidadosa, sentindo-me satisfeita enquanto seus braços envolviam minha cintura.

- Oi, meu amor.

Eu sorri.

Naquele momento, eu percebi. Percebi que ele não merecia, nunca mais, em hipótese alguma, passar por aquilo de novo. Percebi que eu havia errado - e muito. E foi nesse momento que eu prometi, de novo, para mim mesma, que nunca, nunca mais, nunca mais mesmo, iria deixar a porta do motel destrancada de novo.

Breve epilogo

Suas mãos suadas estavam agarradas em meus dedos de uma forma tão honrosa, tão necessária que eu cheguei a sentir como se fosse a única pessoa existente na face da Terra. Ainda que soubesse que isso estava errado, que ha cerca de 5 bilhões de outros seres humanos no mundo, foi bom sentir isso. Bom e mórbido. Eu era a ultima enfermeira nessa ala do hospital e não tinha nada que pudesse fazer para acalmar a alma que seguia seu caminho enquanto segurava minha mao. E era tão bonita! Os cabelos louros caiam-lhe sobre o colo inerte. O brilho opaco dos fios a dar-lhe certa beleza mesmo no esvaecer de sua aura, emoldurando um belo rosto de traços suaves com dois pequenos olhos ambar.

Eu sabia disso. Sabia que ela iria morrer, mas não esperava que fosse logo no momento em que eu deveria estar la. E quem foi que me mandou trabalhar ate tarde, então? Eu e essa minha mania terrível de esticar meus honorários e ignorar meu vergonhoso salário... Se ainda tivesse outra forma de ter saído do hospital, se eu ainda não estivesse com humor... Mas não. Eu tinha que ficar. Logo hoje, logo aqui. Na partida inevitável da minha mais triste e bela paciente.

Um longo suspiro saiu de seus lábios e um arrepio perpassou meu corpo no mesmo ritmo. Um choque elétrico causando nas minhas veias um frio paranormal.

O parar de bater do coração dela no mesmo segundo em que o meu próprio coração começara a bater.

E naquele momento, eu nasci.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Uma dolorosa verdade

Winston Churchill disse: "Os homens às vezes tropeçam na verdade, mas na maioria das vezes se levantam e saem apressadamente como se nada tivesse acontecido."

Porque a ignorancia, alem de ser uma bencao, tambem se torna uma maldicao.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Satélite

Ela caminha com passos leves, causando a destruição do caminho que deixa pra trás.

E o sol se dissipa, trasnformando a luz em sombras e o canto dos pássaros em um silêncio sinistro. Ela não sabe disso, mas é um satélite auto-destrutivo, ignorante de seus prórpios perigos.

E, mesmo que seus pés flutuem por sobre o chão, ela não se dá conta de que, enquanto andar alienada, só causará destruição.

Mesmo que o mundo pare de girar.

Mesmo que ela pare de respirar.

Mesmo que haja um modo de salvar o planeta destruído, há um motivo mais forte e misterioso que a inibe de estabilizar um lugar fixo e a mantém girando de planeta em planeta, destruindo qualquer forma de vida que possa um dia ter existido.

Um coração satélite que paira no espaço sideral, sem futuro definido.

Uma alma solta que caminha pelas ruínas que por ela foram concebidas.

Perdida nas trevas que ela produziu para si mesma.

Emudecer-se

Silenciei-me. E, se fiz isso, foi para melhor me expressar. Ora, e quem disse que o ser humano só deve expressar-se por palavras? Uma grande tolice. Se tu soubesses... Oh, se tu soubesses das palavras que jamais te direi por falta de vocabulário que as traduzam...
Não! Não me aches insana, não! Apenas saibas que meu silêncio nao significa um "estou entediada". É absolutamente o contrário! Meu silêncio diz tudo aquilo que minhas vãs palavras não sabem dizer. E, se acaso tem dúvidas, desafio-te a decifrar o meu olhar. E, se isso te parecer difícil, decifras então os meus textos, pois eles são os únicos que contém fragmentos da minha alma e, se os decifrares, acabará decifrando a mim também.

Silencio-me. E, se faço isso, é para poder conter minha língua nervosa e prender com os dentes minhas idéias insignificantes. Ouso então, nesse silêncio de sábia contemplação, sentir o mundo ao invés de descrevê-lo. Olhar com olhos famintos os variados cenários da vida cotidiana ao meu redor e escutar com precisão os sons que este velho mundo emite. Observo o mundo de diálogos violentos e crenças intolerantes que geram palavras ainda mais afiadas - como punhais banhadas em veneno que se escondem na saliva de todos os homens ignorantes.

Silenciar-me-ei. E, se farei isso, é para conhecer alguém que, ainda que exista dentro de mim e possa até mesmo ser eu, não conheço. Decifrarei comportamentos alheios que jamais preocupei-me em decifrar e, seguindo esse raciocínio, decifrarei a ti que, sem saber, silenciastes meu coração rebelde e acalmastes minha mente perturbada. E, devido ao meu repouso verbal e minha sorte duvidosa, perceberei que o silêncio é um modo mais sutil e agradável de traduzir os sentimentos que não são traduzíveis em palavras.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Triste óbito invernal

Ele se fora.

Eu sabia que chegaria essa hora, mas não é como se estivesse exatamente preparada para isso. Quer dizer, não posso agir como se simplesmente tivesse toda a paciência e compreensão do mundo para ficar calma quando um dos meus melhores amigos simplesmente resolve ir embora. E nem é como se ele resolvesse de livre arbítrio. É mais como um dever cíclico, uma regra inabalável. Como se estivesse previsto em algum livro dogmático, como se eu e ele tivéssemos de cumprir com uma regra que, além de cruel, também é estúpida e irrevogável.

Ele tinha de partir. E por isso, simplesmente se fora.

E há pessoas que não o queriam mais por perto. Pessoas que o odiavam, que não aguentavam mais sua personalidade forte e seus choros intermináveis. E por que ter de partir logo agora? Por que ter de ir?

"É o curso natural das coisas...", dizem os filósofos. Mas quem disse que definitivamente tem que ser assim? Ninguém disse. Ninguém precisa saber. As pessoas são simplesmente insensíveis a ponto de aceitar sem questionar a partida daquele que se faz tão necessário a todos nós.

E a pior parte, é que o imbecil se vai. Com um sorriso de descanso e alguns sinais de cansaço. Ele simplesmente se manda e nem faz questão de se despedir corretamente. Não, ele não é do tipo que se despede. Muito pelo contrário, ele vai saindo à francesa, sumindo delicadamente, escondendo-se em passos breves e silenciosos de modo sutil, inibindo quaisquer transtornos daqueles que estão tão acostumados à sua presença.

Ele se fora. E todos insistem em ficar felizes com isso.

Menos eu.

E por que? Por que ele insiste em deixar claro que irá voltar quando nós dois - e todo mundo - sabe que isso vai demorar doze meses para acontecer de novo?
Por que ele precisa de descanso? Por que eu precisaria de descanso? Ele me bastava. E agora se fora, deixando-me jogada às flores inúteis da primavera. Como se isso pudesse, de alguma fora, servir de consolo para a minha saudade. Como se flores e bosques esverdeados fossem o suficiente para distrair-me da falta que ele me fará. Mas de certa forma ele tem um pouco de razão. Essas flores estúpidas e esse ar quente por muitas vezes tomam minha atenção de forma que esqueço completamente das sensações que ele me causa.

Mas não pretendo soar melancólica demais ou triste demais com a partida dele. Pelo contrário. Desa vez eu vou fazer diferente. Vou fazer de conta que nunca o conheci. Vou fazer de conta que nada foi real e me esbaldar nessa primavera, verão e outono que me esperam. É uma das minhas promessas anuais. Sempre é uma dessas promessas que eu faço.

Quer a verdade? Eu não me importo. Suma. Vá. Quem falou em saudade? ninguém irá sentir saudade. Ninguém sentiu. Ir embora é a melhor coisa que pode ser feita agora e eu não tenho absolutamente nada contra isso. Sério.


Mas já que estamos aqui, saiba que o pior de tudo, é sentir frio mesmo quando o inverno se vai. É carregar dentro de si a sensação de algo que se torna inexistente. É ter que esperar sem saber se aquilo realmente vai voltar, se aquilo realmente foi real. O mais difícil é ter que enfrentar o sol todos os dias esperando pela neve que não vai cair.

E isso, pouco a pouco, lentamente, se esvai. Como a estação que acaba num triste embalo cíclico duranto o alvorecer daquela que deverá nascer para que se possa esquecer da outra.

Fé oriental X Fé ocidental

Gostaria de fazer um breve esclarecimento a cerca do que supostamente foi lido no ultimo texto que postei sobre o consumo de carne. Primeiramente, não estou dispondo de esclarecimentos a cerca do vegetarianismo em si, mas da crença que a autora do livro se utilizou para basear seus argumentos.

Como todo bom ocidental cristão deve estar farto de saber, nós fomos ensinados a ter uma fé "cega", tanto pela nossa bíblia quanto pela igreja católica. Não foi criada nenhuma espécie de lei ou requerimento prévio de questionamento dos dogmas católicos, bem como quaisquer dúvidas a cerca de Deus. Sabemos que aqueles que assim procedem é porque são "homens de pouca fé" e assim o fazem por não terem se entregado de corpo e alma a Cristo, etc.
O fato é que, assim como eu, a grande maioria de ocidentais segue e acredita nessa tese por que faz parte da nossa cultura, faz parte de todo nosso ensinamento bíblico, de todo nosso escasso conhecimento católico e de tudo que não pode ser questionado no mundo. Sabemos que Deus queria que estudássemos e conhecêssemos a ele, mas somos "proibidos" de duvidar de sua existencia ou de questionar seus poderes, uma vez que nossa fé deve ser inabálavel e inquestionável.

Entretanto, na cultura oriental a coisa é um pouquinho diferente. As pessoas lá acreditam que Deus não é um ser simplesmente "inatingível e superior" a nós. Para eles, Deus está dentro de nós, Deus é "nós". E a partir desse conceito, temos que buscá-lo, temos que questioná-lo, estudá-lo, alcançá-lo na medida do possível. É como se no nosso auto-conhecimento, acábassemos por acabar conhecendo a Deus também porque logicamente Ele reside em nós.
Por esse motivo, podemos perceber a clara audácia de Ching Hai wu Shang Shih (sim, esse é o nome dela) ao dizer coisas da mesma espécie de "Por que então deveríamos adorar a Deus com fé cega?" ou " Temos o direito de exigir que Deus se apresente a nós e se faça conhecer". Não há nenhum satanismo escondido nas palavras da autora - a não ser que chineses, indianos, japoneses, etc. , tenham se tornado satanistas em uníssuno - sendo assim uma amostra unicamente de diferença cultural e, consequentemente, religiosa.

Sem mais delongas.

"Por que uma pessoa deve se tornar vegetariana" [2]

Nesta parte do livro, a autora resolveu por responder a dúvidas comuns de seus leitores. Particularmente, fiquei encantada com a força e a inteligência com que ela respondeu a grande maiora, mas teve uma em especial que prendeu minha atenção desde o ultimo fio do cabelo até as partículas que compõem meu dedo do pé.

"Pergunta: Que benefícios espirituais alcançamos por sermos vegetarianos?

Resposta: Fico feliz por perguntar dessa maneira, pois isso significa que se preocupa e se concentra apenas nos benefícios espirituais. A maioria se preocuparia com a saúde e a aparência, quando fala da dieta vegetariana. Uma dieta vegetariana, em aspectos espirituais, é muito limpa e não violenta. Não matarás. Quando Deus nos disse isso, não se referia aos humanos apenas; referia-se a todos os seres. Não disse Ele que criou todos os animais para que nos ajudassem? Não os colocou Ele sob nossos cuidados? Ele disse: Cuide deles. Reine sobre eles. Quando você reina sobre seus súditos, mata-os e come-os? Então, você se torna rei sem súditos ao seu redor? Agora, você compreende quando Deus disse isso. Devemos obedecer-Lhe. Não há necessidade de questioná-Lo. Ele falou claramente, mas quem melhor compreende Deus do que Deus? Então você precisa tornar-se Deus para compreender Deus. Eu o convido a ser como Ele novamente; seja você mesmo e ninguém mais. Meditar sobre Deus não significa adorá-Lo; significa que você se torna Deus. Você percebe que você e Deus são um. Eu e meu Pai somos um , não foi isso o que Jesus disse? Se Ele disse que Ele e Seu Pai são um, nós e Seu pai também podemos ser um, porque também somos filhos de Deus. E Jesus também disse que o que Ele faz, nós podemos fazer e ainda melhor. Então podemos até ser melhores do que Deus, quem sabe? Por que adoramos a Deus, quando não sabemos nada sobre Deus? Por que a fé cega? Primeiro precisamos saber o que estamos adorando, assim como precisamos conhecer antes do casamento, a mulher com quem vamos nos casar. Hoje em dia, é comum não casar sem antes namorar. Por que então deveríamos adorar a Deus com fé cega? Temos o direito de exigir que Deus se apresente a nós e se faça conhecer. Temos o direito de escolher qual Deus gostaríamos de seguir. Agora, você pode ver claramente que, pela Bíblia e por todas as razões científicas, econômicas e de compaixão, bem como para salvar o mundo, devemos ser vegetarianos. Foi dito em alguma pesquisa que, se o ocidente comesse uma refeição vegetariana, uma vez por semana apenas, a cada ano poderíamos salvar da fome dezesseis milhões de pessoas. Então seja um herói, seja vegetariano. Por todas essas razões, mesmo que não me sigam, que não pratiquem o mesmo método, por favor, sejam vegetarianos, pelo seu próprio bem, pelo bem do mundo."





"Por que as pessoas devem se tornar vegetarianas?"

"Desde o início da história registrada, podemos ver que os vegetais têm sido o alimento natural dos seres humanos. Antigas lendas gregas e hebraicas mencionam que as pessoas, originalmente, se alimentavam de frutas. Antigos sacerdotes egípcios jamais comeram carne. Muitos grandes filósofos gregos como Platão, Diógenes, Sócrates, pregavam o vegetarianismo.




Na Índia, Buda Shakyamuni enfatizava a importância da Ahimsa, o princípio de não fazer mal às coisas vivas, e advertia seus discípulos a não comerem carne, porque outros seres vivos passariam a ter medo deles. Buda fez as seguintes observações: “Comer carne é apenas um hábito adquirido. Não nascemos com este desejo.” , “Comendo carne, as pessoas eliminam suas sementes de Grande Misericórdia.” , “Comendo carne, as pessoas se matam e se comem umas às outras: nesta vida, eu devoro você; na próxima, você me devorará… e continuando sempre desta maneira. Como poderão ultrapassar os Três Reinos (da ilusão)?”



Muitos antigos taoístas, cristãos e judeus foram vegetarianos. Está registrado na Bíblia Sagrada. Deus disse: “Eis que vos tenho dado toda a erva que dá semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dá semente, ser-vos-á para mantimento.” (Gênesis 1:29) “E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde será para mantimento.” (Gênesis 1:30). Mais exemplos na Bíblia, proibindo o consumo de carne: “A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis.” (Gênesis 9:4). Deus disse: “Quem lhes ordenou que matassem o novilho e a cabra como oferendas para Mim? Lavem-se deste sangue inocente para que Eu possa ouvir suas preces, senão rejeitá-los-ei porque suas mãos estão cheias de sangue. Arrependam-se para que Eu possa perdoá-los.” São Paulo, um dos discípulos de Jesus, disse em sua carta aos romanos: “Bom é não comer carne nem beber vinho…” (Romanos 14:21)



Recentemente, historiadores descobriram muitos livros antigos que registraram novos aspectos na vida de Jesus e seus ensinamentos. Jesus disse: “As pessoas que tomam por alimento a carne dos animais tornar-se-ão seus próprios túmulos. Em verdade vos digo, o homem que mata será morto. O homem que mata seres vivos e come sua carne está comendo a carne de homens mortos.”



Religiões indianas evitam o consumo de carne: “As pessoas não podem obter carne sem matar. A pessoa que fere seres sencientes, jamais será abençoada por Deus. Assim, evitem consumir carne!” (preceito hindu)



A escritura sagrada do Islã, Alcorão, proíbe “comer animais mortos, sangue e carne” .



Um grande Mestre Zen chinês, Han Shan Tzu, escreveu um poema, veementemente contra o consumo de carne: “Vá depressa ao mercado comprar carne e peixe para alimentar sua esposa e seus filhos. Mas por que a vida deles precisa ser tirada para sustentar a sua? É irracional, isto não lhe trará a afinidade com o céu, mas torná-lo-á escória do inferno!”



Muitos escritores, artistas, cientistas, filósofos famosos e homens ilustres foram vegetarianos. Estes abraçaram o vegetarianismo com entusiasmo: Buda Shakyamuni, Jesus Cristo, Virgílio, Horácio, Platão, Ovídio, Petrarca, Pitágoras, Sócrates. William Shakespeare, Voltaire, Sir Isaac Newton, Leonardo Da Vinci, Charles Darwin, Benjamin Franklin, Ralph Waldo Emerson, Henry David Thoreau, Emile Zola, Bertrand Russel, Richard Wagner, Percy Bysshe Shelley, H. G. Wells, Albert Einstein, Rabindranath Tagore, Léon Tolstói, George Bernard Shaw, Mahatma Gandhi, Albert Schweitzer, e mais recentemente, Paul Newman, Madonna, Princesa Diana, Lindsay Wagner, Paul McCartney e Candice Bergen, para mencionar alguns.



Albert Einstein disse: “Acho que a mudança e efeitos de purificação que a dieta vegetariana realiza na disposição dos seres humanos, são muito benéficos à humanidade; por isso, é tanto auspicioso quanto pacífico que as pessoas comuns escolham o vegetarianismo.” Isso tem sido o conselho comum de muitas figuras importantes e sábias através da história!"


- Texto retirado do livro "A chave para a iluminação imediata" - Ching Hai wu Shang Shih



sábado, 10 de setembro de 2011

Verdade seja dita:

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida. - Clarice Lispector

Inverno Polar

Em algum lugar dentro das minhas orbitas, circulam lagrimas não derramadas.

E, de repente, a luz acesa não serve mais como arma para afastar os monstros da escuridão.

Quando todas as almas descansam, a minha, inconformada e agitada, insiste em manter-se em constante movimento durante a noite inteira, impedindo-me de pregar o olho um segundo se quer.

Resta-me apenas pedir aos anjos que cuidem do meu sono febril e amorteçam a queda angustiante de minhas alegrias.

Esperar por ares que ha tempos não me envolvem e por felicidades que insistem em manter-se num futuro improvável e misterioso.

Oh, e por que eu insisto em discar teu numero e jogar meias palavras fora, mesmo sabendo que a minha garganta estará impossibilitada de falar?

Porque, no fundo, eu sei que é infinitamente mais reconfortante te prender a um telefone em silencio e me fazer acreditar que ainda te tenho, do que passar o dia inteiro sem ter qualquer espécie de ligação a ti.


 

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Limiar da escuridão

O ronronar do gato assusta-me em meio à escuridão sinistra daquela madrugada de um agosto estupidamente frio. Os dedos, congelados, acompanham o corpo num espasmo de sobressalto agoniante por libertação.
O ser, monstro talvez, olha-me com uma sabedoria prévia. Observa-me com olhos de quem me conhece desde há muito tempo. O que quer de mim? Não... não ouso perguntar-lhe.
Mas o zumbido, o leve ronco que assombra meus pesadelos, continua em uma constante melodia a embalar meu sono perturbado.
Os grandes, frios e curiosos olhos amarelos continuam a observar meus movimentos.
Então eu tive certeza. Eu tive plena certeza de que aquele animal sabia quem eu era.
Desde sempre, talvez.
Talvez...
Talvez não se importasse. Talvez quisesse apenas dividir o calor de meu corpo e aquecer-se junto de mim.
Ou talvez...
Não... Que me importa o talvez quando a suposição desconcerta meus pensamentos?

Morrerei... morrerei.

sábado, 27 de agosto de 2011

Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. Você rasga devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no quarto.


(Caio Abreu)


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Trabalho de Direito Penal – Questão 5




O PROBLEMA EXPOSTO NO DOCUMENTÁRIO É NÍTIDA CONSEQÜÊNCIA DAS LEIS PENAIS BRANDAS QUE TEMOS NO BRASIL. – Disserte sobre isso.




Como foi exposto no documentário, há muito mais a ser estudado no tráfico do que apenas o quão rigorosamente são impostas as leis. Como poderemos comparar tal analogia, quando se há tantos outros detalhes a se modificar? Começando pelo comportamento equívoco e corrupto de tantos policiais, assim como a evidente ignorância apresentada pelos próprios delinqüentes em relação às leis que estão sendo infringidas. Não se trata do "nível" de força que uma lei impõe, mas sim a capacidade que o brasileiro tem de cumprí-la. Não podemos simplesmente exigir uma realização mais assídua e pragmática da parte do povo comum, quando aqueles que são responsáveis por sua segurança demonstram fazer exatamente o contrário. Ou seja, a contradição de exigir respeito à constituição não nos é cabível, uma vez que nossas próprias autoridades se demonstram pouco inclinadas a aderir ao mesmo comportamento. Ouso dizer que o código penal brasileiro está apto a corrigir as mais inimagináveis mazelas que possam vir a corroborar o crescimento de nossa população, entretanto a força de tal jurisprudência será anulada enquanto a injustiça e a despreocupação de nossas autoridades forem maiores do que a vontade de mudar nossa falha e miserável realidade.









































segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Disco Quebrado

Como uma faixa arranhada que sempre toca a mesma musica, minha vida parece insistir em ir sempre na mesma direção. Não importa o quanto demore, o destino simplesmente da um jeitinho todo especial e meticuloso de voltar a estaca zero e rodopiar em volta de si mesmo. De novo e de novo. E mais uma vez.

Pessoas diferentes, erros iguais.

E a pergunta que me atormenta: Até quando?

sábado, 13 de agosto de 2011

Carma?



Uma teoria espiritual diz que, se erramos em algo ou não evoluímos na nossa vida passada em determinado assunto, trazemos suas consequências para a vida atual, na esperança oscilante de tentar consertar o tal "defeito".


Crenças a parte, pergunto-me: Ha verdade nisso? Ha algum sentido lógico/verídico nessa teoria? E se houver?


Cara, se houver, então eu já sei uma boa parte da resposta.


Simples. Desastrado. Incandescente.


Como palavras em neon que piscam sem parar, dizendo: "Eu sou o erro."


Será que eu fui prostituta assassina em alguma vida passada? Será que eu fui alguma espécie de "hannibal"? Será que fui um serial killer ou uma mafiosa promiscua?


Serio, não pode ser possível que não seja isso. Deve ser um carma que eu carrego ha milênios, algo que simplesmente me assombra por todas minhas possíveis e improváveis encarnações.


Romance.


Leio-os, observo-os e, por mais irônico que possa parecer, eu ate mesmo os crio.


Mas a coisa se torna bem diferente quando se torna real.


E esse é o meu problema. Romances são coisas bem distintas de mim.


E eu?


Bem, eu não nasci pra romances.






quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Meat is Murder - The Smiths

O gemido do bezerro poderia ser choro humano
Aproxima-se a faca gritante
Esta linda criatura deve morrer
Esta linda criatura deve morrer
Uma morte sem razão
E morte sem razão é assassinato
E a carne que você distraidamente frita
Não é suculenta, saborosa ou algo do tipo
É morte sem razão
E morte sem razão é assassinato

E o vitelo que você destrincha com um sorriso
É assassinato
E o peru que você fatia festivamente
É assassinato
Você sabe como os animais morrem?

Os aromas da cozinha não são familiares
Não são "acolhedores", "confortáveis" ou algo do tipo
E o sangue sendo frito e o profano odor
De assassinato
Não é "natural", "normal" ou algo do tipo
A carne que você animadamente frita
A carne em sua boca
É você saboreando o sabor
De assassinato
Não, não é outra coisa, é assassinato
Não, não é outra coisa, é assassinato

Oh... E quem ouve quando os animais choram?

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Um sopro de Vida

"Isto não é um lamento, é um grito de ave de rapina. Irisada e intranqüila. O beijo no rosto morto.
Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz. Vivam os mortos porque neles vivemos.
De repente as coisas não precisam mais fazer sen­tido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é.
[...]
Quando acabardes este livro chorai por mim um aleluia. Quando fechardes as últi­mas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão li­vro de vida então esquecei-me. Que Deus vos abençoe então e este livro acaba bem. Para enfim eu ter re­pouso. Que a paz esteja entre nós, entre vós e entre mim. Estou caindo no discurso? Que me perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar."

- Clarice Lispector

A garota do copo de agua

- Sabe a garota do copo d'água?
- Sei.
- Se parece distante talvez seja porque está pensando em alguém.
- Em alguém do quadro?
- Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar e sentiu que eram parecidos.
- Em outros termos prefere imaginar uma relação com alguém ausente a criar laços com os que estão presentes.
- Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
- E ela? E a bagunça na vida dela? Quem vai pôr ordem?

(O fabuloso destino de Amelie Poulain)


A que esta sempre alegre - Charles Baudelaire


Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.

A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços

As fulgurantes, vivas cores
De tua vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de flores.

Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!

Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;

E humilhado pela beleza
Da primavera ébria em cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.

Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa

Subir, tendo à mão um açoite,
Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,

E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!

Os Gatos - Charles Baudelaire

Apaixonados fervorosos e sábios solitários

Amam da mesma forma, ao chegar a maturidade

Gatos fortes e suaves, sua ultima felicidade,

Que como ele eles são friorentos e sedentários.


 

Esses amigos da volúpia e da ciência

Buscam o silencio e o horror dos comentários;

O Erebo os teria por seus fúnebres emissários

Se fizessem do orgulho subserviência


 

Adotam enquanto pensam nobre atitudes

Grandes esfinges no fundo sem virtudes

Dormindo num sonho que nunca termina;


 

Seus rins fecundos, de fagulhas mágicas,

De partículas de ouro e de areia fina,

Estrelam vagamente suas pupilas tragicas.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Devo Admitir

Que, embora as vezes soe insensata, admiro a sensatez, mas se tem algo que verdadeiramente me encanta, muito mais do que qualquer ato sensato ou eticamente correto, se chama determinacao. Tenho uma verdadeira e perigosa fascinacao pela chama luzente da forca brutal escondida por tras de cada batalha interna, ao lado de cada vitoria tao arduamente conquistada.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Pseudo Infância


 

Ela estava sentada em sua escrivaninha já fazia um bom tempo, sentara de dia e só saira a noite: Tudo que queria era ter um pouco de fuga imaginaria, criação literária que arrepia seus neurônios e da a ela um motivo para ficar sentada durante tanto tempo. Mesmo que o dia la fora pudesse estar notoriamente belo, ela só queria estar em seu quarto, absorta em sua criação.

Os cabelos cor de vermelho sangue caiam-lhe nas costas, batendo em sua cintura oculta entre as malhas da blusa enfeitada com pedras de acrílico, alias, odiava aquela blusa. Usava tal vestimenta apenas para fazer feliz o pai ausente que, num momento de delírio havia lembrado de sua filha única. Ainda assim, a menina continuava odiando o presente, mas fazia questão de usa-la, fosse por saudade, fosse por simples saciacao de sua consciência culpada que embebava seu cérebro de um sentimento que a forçava a reciprocidade do amor paternal.

Alem de saber escrever e odiar sua blusa, odiava também o estudo, por motivos complexos demais para uma pequena menina de apenas onze anos. Na realidade, ela gostava de estudar, mas não compreendia a forçosa tarefa de ir ate um local especifico que a deixasse a mercê de adultos mau-humorados e alunos desinteressados. A menina também odiava seu nome e, por esse motivo não me é permitido revela-lo. Sentia-se confusa na pior fase de sua vida, estava tornando-se adulta e temia tal consequência.

So havia duas coisas que ela amava: as palavras e seu coelho. Tinha um verdadeiro amor pela escrita, o que explica o fato de tal ato ter se transformado em seu principal refugio. E, quanto mais lia, mais sentia vontade de escrever sobre as doces ilusões ou terríveis, absurdos medos que invadiam sua mente precoce. Muitas vezes sentia-se sozinha e, ao dar-se conta disso, passava horas tentando compreender a difícil personalidade de seu coelho, o qual era desprovido de nome. A menina achava que se o submetesse a um substantivo próprio sem seu consentimento, estaria forçando a ele a mesma injustiça que fora imposta a ela e, por temer compreende-lo erroneamente, privava-o de tal sofrimento.

Mesmo que esse relacionamento pudesse ser estranho, ela não se cansava de falar com o amigo: uma conversa sem palavras, verbalizada em olhares e compreendidas pela intuição de ambos. A amizade era algo difícil de ser compreendido quando se possuía tão pouco conhecimento da arte social. Por isso, a menina contentava-se com seu coelho e seus livros. Muitas vezes esquecia-se do pai por não vê-lo constantemente e só era incomodada e cuidada adequadamente por suas serviçais. Não fazia questão de conhecê-las, quer fosse por puro costume misantropo, quer fosse por puro desinteresse.

Era uma menina estranha, solitária. Uma pré-adolescente que sem querer havia se tornado mais adulta que qualquer adulto que conhecesse. Ainda possuía os olhos inocentes de criança, assim como o corpo infantil, mas sentia-se velha demais para a sua idade, como se não pertencesse aquela vida. Ela não sabia ao certo quem era, mas apreciava sua solidão, enquanto criava os mais lindos mundos dentro de seu caderno de escrita.

Tinha talento, mas faltavam-lhe as perspectivas. Estava em constante luto de tristeza. Era cética, encantadora. E por mais que se destacasse, jamais quisera ser vista. Era uma velha precoce, uma criança prodígio. Uma alma sem lugar em um mundo inescrupuloso.Derramava lagrimas de fogo no cair da noite, quando imaginava sua mae brincando no mundo dos anjos. Queria vê-la de novo, mas a invejava por estar em um lugar melhor que ela. E assim, adormecia: na doce inocência dos onze anos, complexas ideias de quarenta.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Mal-estar de um anjo

[...]"A verdade é que ser anjo estava começando a me pesar. Conheço bem esse processo do mundo: chamam-me de bondosa, e pelo menos durante algum tempo fico atrapalhada para ser ruim. Comecei também a compreender como os anjos se chateiam: eles servem a tudo. Isso nunca me ocorrera. A menos que eu fosse um anjo muito embaixo na escala dos anjos. Quem sabe, até, eu era só aprendiz de anjo. A alegria satisfeitona daquela senhora começava a me deixar sombria: ela fizera uso exorbitante de mim. Fizera de minha natureza indecisa uma profissão definida, transformara minha espontaneidade em dever, acorrentava-me, a mim, que era anjo, o que a essa altura eu já não podia mais negar, mas anjo livre. Quem sabe, porém, eu só fora mandada ao mundo para aquele instante de utilidade. Era isso, pois, o que eu valia. No táxi eu não era um anjo decaído: era um anjo que caía em si."


 

- Clarice Lispector

Sucumbida ao ócio

Domingo.

Não é incrível o fato de que o tempo passa absurdamente rápido quando não se faz absolutamente nada de agradável para enganá-lo? Todos os domingos são assim para mim. Perco-me nessa sensação inesgotável de ócio pálido, sedutor, exorbitante que, de fininho, faz questão de abraçar-me. Fico a observar navios da minha janela. Não é como se isso fosse a coisa mais divertida do mundo, mas ainda assim é uma coisa a se fazer. E, se tenho de ser honesta, admito que prefiro mil vezes ficar observando navios do que decorando os traços inócuos e pálidos do meu teto de gesso branco. Afinal, a que isso me levaria? Ficaria tão doida de ócio, que logo desabaria em um sono estúpido e fugaz, o qual não adiantaria para saciar meu sono perturbante. Odeio sentir sono. Esse corpo humano o qual habito não condiz em nada com minhas ambições. Ora, pois, custava ao Senhor dar-me asas? Inescrupulosa blasfemadora me tornei! Chateada pelo tédio, ouso interrogar as benfeitorias concluídas por aquele me criou e, nesse erro de palavras sadicamente proferidas em fila decadente, perco-me em pecados mortais.

Mas seria Ele então possuidor do mundo e criador de tudo que me parecia impossível, não seria?Eu bem sabia que o padre da paróquia jamais mentiria na missa de domingo ao dizer tais palavras em suas orações fervorosas, mas, agora enquanto observava os navios a deixar o pórtico reluzente à luz vermelha do sol crepuscular, pergunto-me se suas palavras soariam verdadeiras. Ora, por que braços e não asas? Não iria custar nada. Nadinha mesmo. Eu bem sabia do seu poder e por isso me tornava impaciente. Queria ter asas! Meu Deus, eu queria ter asas! O quão feliz seria se pudesse voar ao invés de engolir a seco essa visão bela, mas ainda assim atordoante, dos navios a me deixar. Pior do que isso: Nem de perto observo, por que não me é permitido. Sou apenas uma criança, dizem minha mãe e minhas tias, e por estar aprisionada nesta alma infantil, eis que não tenho poder algum sobre meus passos de forma que sou terrivelmente obrigada a observar a vida por essa janela medíocre de persiana branca.

Batem à porta. Assustam-me. Esses monstros vorazes e bondosos a quem chamamos de mãe. Por que me incomoda tanto? Não estaria ela bastante satisfeita ao deixar-me presa em sua ignóbil e tola força maternal? Priva-me a liberdade, a sádica que me pariu. Mas minha revolta não parece ser suficiente para deixá-la furiosa, o que a fez ter a desprezível idéia de cozinhar um delicioso bolo de maçã com canela. Oh que golpe mais baixo o dessa mulher! Como a criatura sabe exatamente como domar os monstros que me põe a odiá-la? Não sei... Duvido que seja bruxa, maga, feiticeira, fada ou sereia. Alguém que tenha o poder de enfeitiçar-me com seus venenos intoxicantes e convidativos, perdendo-me em um doce e inebriante sabor que apenas as suas mãos são capazes de produzir. Ela olha-me com os olhos calorosos, como se estivesse feliz. Oh Deus, por que não me destes asas? Assim poderia eu fugir voando dessa criatura terrível que obriga-me a amá-la mesmo que a odeie. Estaria eu agora em um navio igual a um daqueles que observei partindo, ao invés de conter-me agradavelmente na mesa ao lado dela, sendo enganada com suas caricias de mãe amorosa. Quero fugir, não me ouves pois? Eu sou má. Sou um ser maligno que despreza as afeições. E sou criança fraca, que ama tuas atenções.

Oh Deus, por que destes asas a ela e não a mim? Revolto-me. Revolto-me em admitir que destes asas apenas aos anjos, por que eles sabem conter-se em sua liberdade enquanto que eu, criança inútil e teimosa, ouso interrogar suas bondosas intenções.

Mas ainda quero ir ate aos navios e não terá mãe ou anjo ou asas que me impeçam de ir.