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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Vem

Vem morrer comigo.

Eu tô aqui, contando os segundos, os dias, os minutos, os anos luz que vão passar enquanto tu não chega.

Vem, meu amor. Vem me passar segurança dentro dos teus braços. Vem me dizer que nada importa e o tempo deveria parar agora, por que tudo é amor mesmo e estamos bem assim.

Por que tu não pode cair dentro da minha vida e continuar estagnado ali? Não parado, mas constante. Sempre. Inabalável.

Vem, vem ficar comigo. Vem mudar meus horizontes, minhas críticas, meu mundo, meu ódio. Me faz acreditar que o verão é mais bonito que o inverno, que o teu sol me liberta da chuva gelada, que o céu não é o limite. Me mostra tuas opiniões diversas, teus medos infantis, tuas raivas infundadas. Vem me fazer sentir parte de alguma coisa, nem que seja só por alguns instantes. É que não fazer parte de nada me cansa às vezes, e daí eu tenho vontade de andar junto de alguém. Mesmo tropeçando, mesmo mancando, mesmo fazendo tudo errado. Vem me convencer a andar junto.

Sabe todos esses erros que explodem da vida lá fora? Vem me fazer esquecer. Eu não aguento mais chorar por tudo isso e praguejar cada vida alheia. Eu não aguento mais sentir nojo das pessoas, sentir nojo dos sentimentos, sentir nojo de tudo. Vem e me mostra que meus olhos míopes não sabem ver a realidade bonita e pura. As pessoas bonitas e puras. O mundo, bonito e puro. Vem, amor, vem e me diz que tá tudo errado, que a minha ignorância assassina meu talento e que eu escrevo mal. Acaba com meu ego mal influenciado pela mídia. Destrói a minha vaidade sem sentido. Diz, só mais uma vez, que eu não preciso ser perfeita demais, boa demais, inteligente demais. Diz que sendo assim, errada demais, eu tô bem.

Por que tu não pode simplesmente cair na minha vida e encher tudo com o teu sentido simples? Vem, vem me fazer acreditar nas tuas respostas prontas, nas tuas questões jamais impossíveis, nas tuas curiosidades jamais faladas. Me julga, me julga mal, me julga bem, me julga. Por que tu pode fazer isso. Por que a tua inclinação a me fazer feliz iria destruir qualquer mágoa. Por que é assim mesmo que agente funciona. A gente se julga, a gente se critica, a gente se odeia. Um ódio tão bonito, que eu até confundo com amor.

Vem me enganar com as tuas palavras bonitas, com a tua voz baixinha. Fala manso comigo, até eu voltar a acreditar que tu é do bem e eu posso dar mais uma chance. Vem e me ilude com a promessa da felicidade, da casa grande, do cachorro latindo, de uma penca de filhos. Por que, no fundo, eu não quero nada disso. Mas tu pode me fazer querer. Vem e aniquila o meu papo de mulher independete, de mulher auto suficiente, de mulher boazuda. Vem e me exorciza, tira essa maldade de mim. Deixa eu, a criança que te ama, ser a única que existe. Vem e mata todo o meu yang, toda a escuridão. Escava minha caverna tediosa e traz luz pra mim.

Vem morrer comigo pra todas essas crenças, pra todas as pessoas vazias, pra todas as promessas desfeitas. Vem morrer comigo e me ajudar a renascer. Vem ser o fogo que me consome, trazendo a minha fênix de volta. Vem, amor, vem morrer comigo?


 

Alameda do bateu as botas, 345

- Qual o seu nome, senhor?

Ele fechou os olhos, forçando-se a lembrar de como se chamava. Era algo que começava com P. Pedro, Paulo, Pietro, Pumba...

- Romeu.

O homem alto de macacão cinza o encarou com curiosidade, levantando a sobrancelha esquerda, como se o questionasse mentalmente.

- Você é aquele que caiu no poço da casa da filha?

Todas as pessoas viraram para o olhar. Naquele lugar, tudo era névoa, nada era sentido. Nada de calor, nada de frio, nada de medo. Sem sensações, sem clima, sem cheiros. Um nada enevoado e vazio, não fosse pela multidão que se arrastava lentamente pelos portões de ferro gasto, onde tinham dois homens a controlar a entrada. Romeu não fazia ideia do que estava fazendo ali, nem lembrava de nada. Mas sentia a garganta latejando. Quase como se alguém o segurasse pelo pescoço. Quase como um sopro na jugular.

Ele não sabia do que o homem estava falando. Ele não se lembrava de poço nenhum, nem de filha nenhuma nem de... Ei, espere. Ele lembrava de algo. Uma casa. Uma grande casa branca, com janelas vermelhas. Vitoriana, pátio bonito, um cachorro velho roncando na porta. Ele lembrava de uma criança o olhando horrorizada, os olhos esbugalhados da mãe a fita-lo. Ele lembrava de estar inerte observando tudo, até que simplesmente caiu num chão sem batida e a névoa o levou até aquele lugar. Uma espécie de estação de Trem, como aquelas de Londres. Só que muito confusa. Muito enevoada. Muito nada.

- Não. Eu sou o Romeu filho do seu Sebastião.

- O Sebastião do pastor alemão?

- Que pastor alemão?

- Aquele que engoliu as bolas dele depois que o matou. Acho que o senhor deve saber.

- Meu pai não morreu ainda! Não senhor! Ele tá vivinho, é dono de uma das maiores empresas dessa cidade! O senhor por acaso sabe com quem está falando?

O homem caiu na gargalhada. A estupidez e a ignorância de Romeu o divertia. O velho estava mais perdido do que cego em tiroteio. E a ele, isso parecia muito deselegante. Era um homem rico, cheio de terras e posses e dinheiro. E não era burro. Não mesmo.

- E o senhor, meu velho, sabe com quem está falando?

Olhou o homem de cima a baixo, notando o estado sujo das roupas, a aparência desleixada, a falta de higiene. Obviamente era um gari. Um simples lixeiro. Quem diabos ele pensava que era?

- Um insolente! É o que o senhor é! Agora, faça-me o favor de dizer onde estou e o que estou fazendo aqui. Tenho uma reunião às 6 amanhã e...

- Cale a boca, e me diga seu nome.

Romeu se surpreendeu. Nunca alguém tinha falado com ele de modo tão desrespeitoso. Apertou os olhos, juntou as sobrancelhas e tentou deixar transparecer toda a sua importância. Porém, seus esforços foram em vão: o gari continuava a encará-lo de forma muito séria. Cedendo, Romeu resolveu falar.

- Meu nome é Romeu de La pontes Miranda. E sim, eu sou um dos maiores milionários da atualidade. Sim, eu sou o dono da Manchester. Aquela marca de sabão em pó que você já está careca de usar.

Estava com o peito inflado, as bochechas flamejantes. Sempre sentia orgulho de si mesmo quando falava sobre sua carreira. Era um homem de bem, pensava. De bem e muito bem sucedido. E se deu por satisfeito quando o homem de macacão cinza pareceu perplexo, quase envergonhado. Olhava para a prancheta com uma certa ansiedade.

- Não pode ser... Não, não... Eu saberia...

- Devo admitir que é uma bomba e tanto saber do que eu faço e como cheguei até aqui...

- Cale a boca, eu estou tentando me concentrar.

E Romeu, mais uma vez, ficou sem palavras. O que diabos aquele cara estava pensando?

- O que você tanto procura afinal?!

Então, num sobressalto, o homem jogou a prancheta no chão e saiu andando até o outro homem, ao norte. Discutiu, elevou as mãos e a voz e, quando parecia finalmente ter conseguido algum resultado, voltou. Sorrindo e muito satisfeito consigo mesmo.

- É você!

- Sou eu o quê?

O homem sorria, uma espécie de sorriso zombeteiro. Chegou mais perto de Romeu e , sussurrando disse:

- Você morreu ontem, meu rapaz. Você foi enforcado. Lamento ser eu a ter que dizer isso, mas no fim sou sempre eu que tenho de dar a notícia mesmo.

E, naquele instante, Romeu morreu pela segunda vez. De ataque cardíaco.

Como poderia ter morrido enforcado se tinha tanto dinheiro ainda pra juntar? Como?

- E por que você me olha como se fosse tao importante assim?

O gari sorriu.

- Eu sou o guardião dos portões, aquele que manda toda a sujeira pro inferno. Meu amigo é aquele que manda toda aquela gente sonsa pra algum tipo de paraíso. Então, venha comigo senhor. Vou te mostrar o que há de bom na morte.

Rokmeu não entendeu.

- Por que eu vou para o inferno? Passei minha vida me dedicando ao emprego e ao amor!

- Claro que se dedicou ao emprego. Só viva pelo trabalho, comia o dinheiro dos seus funcionários e seduzia todas as secretárias disponíveis.

- Isso é amor. Amor ao trabalho, amor ao meu patrimônio e amor às minhas mulheres.

E então Romeu se deu conta: De amor o inferno estava cheio. Ou de boas intenções, o que, no fim, dava no mesmo.

Sobre algo que termina com ídrico

- Pode meter mais que eu aguento!

- Tem certeza?

- Tenho! Tenho sim, sim! Vai mais fundo, por favor!

Eu quase senti vergonha do meu tom infantil, da minha súplica inconveniente, mas não dei atenção a isso. Eu sabia o que eu queria e não ia dar pra trás. Não mesmo.

Ele me olhou como se não acreditasse no que estava ouvindo. Pegou a minha nuca com força, inclinou ela pra trás e meteu com tudo na minha boca em forma de "o". Eu parecia mais uma boneca inflável do que qualquer outra coisa, mas não me importei. Eu que pedi, eu que tava louquinha pra saber como era. E ele, com todo o seu altruísmo e compaixão, fez questão de saciar a minha curiosidade.

Meteu um cubo cheio de ácido dentro da minha garganta. Daqueles líquidos esverdeados ao estilo laboratório de Dexter mesmo. Me esqueci o nome da substancia, mas sei que terminava com ídrico ou algo assim.

Logo depois que o cubo estava vazio, ele o tirou da minha boca e esperou pacientemente pela minha reação, em um misto de curiosidade e medo, enquanto eu demonstrava satisfação. Indiferença. Mesmo que todo aquele pesar químico estivesse corroendo os meus órgãos e destruindo meu corpo, eu estava totalmente calma.

- Era isso?

Ele perguntou.

Inocente, preocupado, encantador.

- Sim, era isso.

Disse eu, na minha indiferença forçada. Na minha força teatral.

E me mantive naquele sorriso duro, pra não demonstrar o quanto doía. Deve ser muito chato conviver com pessoas que sentem dor e coisas assim, então eu fiz questão de ser imune a isso. A mulher de aço, aquela que não sente nada.

Meio litro de ácido me corroendo por dentro, e tudo que eu fiz foi sorrir. Sorrir e correr pra minha cama, pra que ele não desconfiasse de nada e pudesse ir embora com o sentimento de missão cumprida.


 

O murro

Respirei fundo e tomei a decisão mais importante da minha vida: Eu vou te dar um murro. Bem no meio desse teu nariz aristocrático de merda, que faz questão de se manter empinado enquanto eu me arrasto pelo chão, com meu nariz torto e assimétrico. Eu vou fechar minha linda mão em um punho bem forte e te fazer esquecer de todos os carinhos e de todos os estímulos que ela possa um dia ter te causado, por que no fim, o que sobra mesmo é sempre a violência. E nós sabemos disso. Então, por favor, seja agora o cavalheiro que tu nunca foste e fica aí bem paradinho, enquanto eu arrumo minha mira. Sério, eu juro que depois vai passar a dor. Só me deixa te dar um soco bem dado e deu. Depois do soco posso até te amar se tu quiser, mas deixa eu te socar. Ou então não deixe. Eu posso fazer isso sem permissão mesmo, o que provavelmente irá causar mais emoção do que um soquinho feminino com a permissão do macho prepotente.

Esquece. Esquece tudo que eu disse. Eu simplesmente vou te socar sem a tua permissão. Por que a bem da real, é que tu não merece que eu fique de mimimi. Mimimi é coisa de guriazinha burguesa que pode fazer mimimi pra quem tem saco pra ouvir mimimi e ta pouco se fudendo se a tal da garota mimimi entende algo da vida além dos seus mimimis. Por que, no fundo, eu amo meu lado macho. Eu sou muito macho, sabia? Sou macho mesmo. Só me falta o pênis, por que o resto eu tenho. Desde a grosseria até a imaturidade. O problema é que eu faço tanta questão de ser mulher, que muitas vezes me esqueço de ser homem. Mas chega. Chega de ser mulher.

Eu vou ser homem. Não sou lésbica nem nada, mas preciso despertar minha violência masculina, pra ver se rende alguma coisa além de decepções. Por que, no fundo, eu gosto mesmo é do que é grotesco. Adoro essa coisa toda de jogar um catarro no chão e ter orgulho disso. Adoro essa coisa de tratar todo mundo mal e esse todo mundo achar isso tudo muito normal, mas odeio rimas. Por que rimas são coisas de mulherzinha, de baitola mesmo. E eu sou macho! Olhem para mim e invejem meus testículos de ouro, seus viados. Olhem para mim, eu que vivo precisando re-afirmar a minha masculinidade fazendo ou falando alguma coisa estúpida pra que acreditem em mim. Mas vocês não precisam saber disso, por que a imagem que eu vendo é infinitamente mais saudável da que aquela que eu realmente sou. Então, daqui em diante, comprem essa imagem. Esse quadro pintado por mim, o idiota que não sabe desenhar, mas faz esboços fracos do que eu quero que vocês vejam. Tão vendo? Eu desenho a mim mesmo cheio de erros e traços livres, pra tentar demonstrar alguma liberdade que definitivamente não me pertence. Tão vendo? Eu sou um rabisco com significado misterioso que nenhum de vocês poderá descobrir. Ou, pior que isso, vocês nem querem descobrir. Mas foda-se, eu sou livre, estúpido e muito misterioso. E as meninas ficam maluquinhas com o meu mistério.

Falando em meninas... Acabo de me lembrar que não sou lésbica. O que notavelmente me atrapalha, eu, a mulher com natureza masculina, que não sabe ver beleza na casca dessas bonequinhas de porcelana que andam por aí. Como que eu vou meter a minha língua nos rins delas, se não sinto a mínima vontade de fazer isso? Mas eu sou macho! Eu sou macho, e tenho que re-afirmar a minha masculinidade enfiando meus dedos e língua e sujeiras e cantadas em todos os buracos que elas me oferecem. Como é bom viver na malícia de quem usa e não quer saber mais. Como é bom não ter que dar satisfação pra ninguém, por que a dignidade é minha e eu acabo com ela do jeito que eu quiser. Como é bom mentir pra mim mesmo e acreditar nas minhas mentiras. E, logo quando eu tenho toda a certeza e satisfação do mundo com a minha alma de porco, que ela aparece. Aquela garotinha sonsa que fica dizendo que acredita em mim e tal. Mas eu faço questão de expulsá-la daqui. Vai viver a tua vida e deixa eu curtir a minha, porra! Por que, apesar de todos os textos e palavras e carinhos, as mulheres são todas iguais. E eu não vou ceder pra uma que, além de não querer me dar, ainda acha que tem o direito de vir e criticar o que eu quero da minha vida.

E quer saber do que mais?

Eu... Eu...

Eu...

Eu o que mesmo?

Deu, passou.

Quase como o que acontece naquelas sessões espíritas, eu voltei ao meu corpo.

E como é que vai ser o epílogo desse meu texto maravilhoso? Ainda não sei. A minha febre de ser homem acabou passando rápido e agora só resta a velha e boa massa feminina. Aquela que tem a mania de ficar triste e criticar as coisas que a deixam triste. Logo eu, que queria ser homem. Logo eu, que sei exatamente como é ser homem. Mas não, não. Fui nascer mulher, esse sexo estúpido e cheio de mimimis. Sobre o que eu tava falando mesmo quando comecei o texto?

Ah sim, murro.

Então, a você, querido amigo neandertal que eu odeio e está lendo esse texto, saiba que eu quero dar um belo murro no meio da tua cara.

E tenho dito.


 

terça-feira, 24 de abril de 2012

Lembrete:

"A realidade é que a maior parte das pessoas não atinge o seu pleno potencial, não é bem-sucedida. As pesquisas mostram que 80% dos indivíduos jamais serão financeiramente livres como gostariam e 80% deles nunca se considerarão de fato felizes.

O motivo é simples. As pessoas, na sua maioria, agem de forma inconsciente. Quase dormem no ponto - trabalham e pensam num plano superficial da vida, baseadas somente no que vêem. Elas vivem estritamente no mundo visível. As raízes geram os frutos.

Imagine uma árvore. Suponha que seja a árvore da vida. Nela há frutos. Na vida, os nossos frutos são os nossos resultados. Nós olhamos para eles e não gostamos do que vemos - achamos que os frutos que produzimos são poucos, muito pequenos ou que o seu sabor deixa a desejar.

O que tendemos a fazer, então? A maioria de nós dedica ainda mais atenção aos resultados. Mas de onde eles vêm? São as sementes e as raízes que os geram.

É o que está embaixo da terra que cria o que está em cima dela. É o invisível que produz o visível. E o que significa isso? Isso quer dizer que, se você quer mudar os frutos, primeiro tem que trocar as raízes - quando deseja alterar o que está visível, antes deve modificar o que está invisível."

- Os segredos da Mente Milionária, T. Harv Eker

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Geração coca-cola?

Entro na livraria lotada com um sentimento de amor profundo por todos os livros existentes. Pisco uma, duas, três vezes, até me acostumar com a iluminação turva dos romances adolescentes e espero até que as lembranças e a minha consciência influenciada pelo mundo crítico de pessoas críticas me envergonhe por meu gosto infantil. Milhares de capas coloridas, títulos cor de rosa, bocas vermelhas, mocinhos vampiros, mocinhos zumbis, mocinhos homossexuais. O bizarro e o incomum são moda agora. Literatura romântica é moda agora. Ser excluída é moda. Ler é moda agora. Por um lado eu fico feliz por essa notável evolução de pré-adolescentes anencéfalas , por outro, fico preocupada com o rumo que isso pode tomar.

Onde foram parar os nerds pálidos com suas camisetas do Star Wars e all stars gastos por andar a pé? Onde foi parar a geração traumatizada pelos sorrisos coloridos dos telletubies? Tudo que eu vejo agora é uma geração decadente de meninas crepúsculo, team Edward, team Jacob, team Tio da padaria, team O diabo que te carregue, team tudo. QUAL A MORAL DISSO? As histórias estão ficando cada vez mais repetitivas e sem conteúdo. Os galãs são sempre os mesmos caras com maxilar proeminente e olhos sedutores. As meninas são sempre as mesmas heroínas deslocas ou americanas viciadas por sapatos. Sempre o clichê da mal-amada, sempre o drama judeu do descendente alemão. Onde foi parar a surpresa, a fantasia, o mistério, o inexistente? A beleza da literatura, vai, paulatinamente sendo assassinada pela mesmice ao estilo monster high.

Na minha época, ser monstro era muito esquisito. Se vestir de vampiro era sinônimo de perdedor e gótico era algo sombrio que assustava criancinhas inocentes. Hoje, o mistério de Byron beira o ridículo. A morte da Julieta não é nada mais do que um suicídio comum feito pelas melhores garotas, nas melhores famílias. Me digam, crianças, quando é que vai surgir os discípulos de J.k. Rowlling ou C.S. Lewis? Daí eu me desespero com essas coisas. Me desespero mesmo, por que todo mundo agora é escritor. Todo mundo acorda num belo dia e começa a escrever a historia de um sonsa que se apaixona por algum monstro mitológico e faz sexo dentro de algum armário em uma casa mal-assombrada.

Me digam, crianças, onde é que vai parar a porra da minha carreira se vocês estão se multiplicando e transformando as melhores histórias em modinhas banais? Onde é que vai parar todo o meu talento pra ver vampirismo, terror e romances impossíveis onde antes nenhum pré-adolescente via? Como é que eu vou ganhar dinheiro se os fan-fics de vocês tão ganhando mais espaço do que os clássicos das Brontë, que a propósito vocês nem conhecem? Ah, eu fico é puta mesmo. E lá se foi a minha tentativa de escrever um texto decente sem palavrões, mas o realismo anda me pegando de jeito e eu não resisto a isso. Tô puta. Puta, puta, puta. Muito puta. Por que acabei de perceber que eu corro um grande risco de passar fome por culpa dessa gentinha sem informação. E pra completar, nem a porra da minha originalidade nata vai valer pra alimentar minha reputação. Sabe o que eu vou ser? Mais uma anencéfala da geração crepúsculo, team Edward, apaixonada por Ian Somerhalder e muito, muito emo.

Renato Russo deve estar se debatendo no caixão agora, ao perceber que somos o futuro da nação, mas a coca-cola só serve pra encher de celulite a nossa bunda sedentária. Encher de pedras, nossos rins mal alimentados. Encher de estrago, nossos dentes amarelos.

Morra, geração emocore. Morra e me liberte dessa tragédia.


 

 

domingo, 22 de abril de 2012

Viva la revolucion

Tem duas madrugadas que eu não consigo dormir direito por que fico pensando sobre o que escrever e sobre o que faz sentido e o que não fez e o que realmente merece minha atenção e o que não merece. E, hoje, enfim, eu vim escrever. Vim escrever sobre a minha falta de respeito e compreensão para com as pessoas burras. Eu simplesmente tenho um preconceito enorme com pessoas burras. Por quê? Por que elas são burras! E eu não tô falando de conhecimento acadêmico nem de quem ganhou mais honras na vida. Não, nada disso. Eu tô falando sobre aquela gentinha estúpida que faz questão de ser idiota. Meninas que falam baixinho para parecerem instigantes, meninos que riem como macacos para parecerem engraçados. Velho que se faz de coitado pra se aproveitar dos outros, criança que se faz de inocente pra conseguir atenção.

Como a própria Jane Austen descobriu há dois séculos atrás, ser ignorante hoje em dia é muito conveniente. É muito conveniente não entender nada que acontece no mundo, não saber de nada que a política e a economia pretendem fazer, não saber de nada que o lado negro da vida oferece. É mega conveniente olhar pra televisão e absorver qualquer palhaçada que as emissoras são pagas pra exibir, de maneira que a nossa inteligência se venda pelo entretenimento barato. É super conveninente que as pessoas só saibam sobre os crimes que os próprios pobres cometem, que o próprio proletariado faz, apenas pra entreter a inteligência com noticias escassas sobre o mundo. Sabe por que? Por que assim fica mais fácil de manipular. E se todo mundo soubesse do que acontece, ali nos sets de filmagem? E se todo mundo soubesse dos retoques, das falas decoradas, dos macetes pra ficar rico mais fácil e do jeito como a corporação se infiltra na nossa cabeça pra meter um bando de informação estupida que vai servir de bode expiatório para os erros deles? Bem, então teríamos a revolução dos peões. E isso dificultaria muito o controle da massa. Então, esqueçam de tudo que eu falei até aqui, por que nada pode fazer sentido.

Ter um cérebro hoje em dia é perigoso, é absurdo, é errado. Somos milhares de bruxas sendo queimadas em praça publica por questionar a autoridade da politica e do clero. Somos nobres alquimistas questionando os erros daqueles que tem o poder no reino. E se você quer se manter vivo em segurança, não questione. Abaixe a cabeça, respire fundo e faça o que eles querem que você faça. Não questione, não reflita, não duvide. Diga sim, uma, duas, três vezes. Quantos forem necessárias pra viver de forma cômoda e tranquila. Não sei isso pode funcionar com vocês, mas não funciona comigo. Eu até posso desistir ás vezes, mas nenhuma vez durou pra sempre.

Um sábio professor uma vez me disse que o que era necessário para muda o mundo, era a ereção. Tá, não exatamente a ereção, mas a excitação. Temos que estar sempre excitados para que algo aconteça. Se vocês não tem a mínima vontade de mudar o sistema, então não tentem. Mas se você, assim como eu, não consegue engolir isso direito, se você, assim como eu, sente algo arranhando a garganta, então se junte a mim. Vem queimar na fogueira comigo! A gente pode fazer muitas coisas juntos, e eu não me refiro a passeios inocentes. Eu falo de revolução. Não quero guerra, mas não quero paralização. Quero opiniões. Então, por favor meus amigos, digam que sim! Digam que aceitam correr o risco de serem chutados e mal compreendidos. Mas unam-se na minha revolta, por que, como diria minha mãe, uma andorinha só não faz verão.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Bilhete Póstumo

Querido F.

Desculpa.

Sério mesmo, desculpa. Tá? Desculpa por tudo. Eu... Eu sinto muito pelo que aconteceu. Sinto mesmo, do fundo do coração. Por que foi tudo muito bonito e tal e obrigada por isso, mas me desculpa. Desculpa se eu tô saindo à francesa pela porta dos fundos da tua casa, com os meus chinelos entre os dedos da mão pra não fazer barulho. Desculpa se eu desligo meu celular, se eu excluo meu msn. Desculpa, desculpa mesmo. Eu queria que isso não tivesse que ser assim, mas tem que ser. Tem que ser por que eu não sei receber carinhos pela metade, amor pela metade, vida pela metade. E já que você tá ocupado demais na farra pra ser meu por inteiro, eu vou embora. Nada pessoal, é que eu prefiro assim mesmo. Mas me desculpa, tá? Desculpa se eu não quero ficar aqui como a boa garotinha de estimação que eu sempre fui. É só que esperar me cansa. E você sabe disso. Todo mundo sabe disso. Eu sou aquela que nasceu de sete meses, lembra? Não esperei nem pra nascer, quem dirá pra viver! Então desculpa, desculpa se eu sou impaciente e incompreensível. Desculpa se eu te amei pra sempre ontem, é que hoje eu acordei muito afim de não te ver nunca mais. Não foi minha intenção te dar o doce e depois sair correndo enquanto você saliva pelo gostinho. Mas é que eu sempre acabo fazendo isso mesmo. E é um erro que eu pretendo não cometer mais. Sério, parei com isso. Agora vou manter o doce bem escondido na minha geladeira pra não deixar nenhum idiota salivando por ele. Vou me esconder em casa, vou me excluir do mundo, vou morrer pra vida de lamentações. E tudo isso sem você. Sem velório. Sem nostalgia.

Amanhã eu vou nascer de novo, e vou ser alguém que é precisada e não que precisa. Amanhã eu vou ser a criança que abre os olhos pro mundo e se arrepende logo depois, por que eu não vou saber lidar com a luz delirante desse planeta esquisito. E o barulho da sujeira vai corromper minha audição inocente. E eu vou virar míope de novo, como uma revolta interna, uma negação infinita em ver as coisas como elas realmente são. Me desculpa se eu vou te deixar ai sozinho com todas as duvidas e preocupações dessa vida, é só que hoje eu me acordei muito afim de nascer de novo, sabe? Muito afim de fugir da sua casa e pular diretamente nos confins da morte. Uma espécie de libertação dessa vida de erros repetitivos e amores impossíveis. E como eu sou muito, muito legal, vou deixar essa carta pra você ler e saber o que foi que diabos me aconteceu, logo quando tudo estava indo tão bem. E no fundo, você vai ouvir a minha voz dizendo: "A verdade é que eu não lido bem com a felicidade, sabe amor?".

E vai me odiar de novo, por ter escolhido morrer por ti de novo.

Como eu faço toda vez que me decepciono.


 

Alguma cidade do fim da vida, em algum dia, de 2012.

sábado, 14 de abril de 2012

Sábado pra Ferrar

Acordei hoje percebendo que ia ser um dia terrível. Terrível por que quando chove sempre me bate saudade. Terrível por que o meu dedão do pé tava latejando de dor, depois da maldita unha ter resolvido ficar encravada na carne dele. Terrível por que o gosto na minha boca tava mais azedo do que nunca, depois daquele saco enorme de doritos que eu nem queria comer, mas comi pra tentar esquecer que não gostava de doritos. Terrível por que, hoje, logo hoje, o meu útero resolveu se desfazer de todo o lixo que tem guardado desde o ultimo mês e me presenteou com o rio vermelho que jorra das entranhas da maldição feminina. É, hoje eu acordei e pensei: "Ferrou". Por que sempre ferra mesmo, em todo o sábado. E eu ia na igreja, mas resolvi não ir. Depois resolvi que ia mesmo. Mas decidi que não vou. Não vou por que ta chovendo, por que a maldição feminina me pegou e o meu dedão do pé ta latejando. Não vou por que nunca consigo ir mesmo, e Deus já deve ter cansado das minhas promessas falsas de que vou na igreja só pra depois não ir.

Hoje eu acordei muito, muito afim de olhar o meu facebook e saber que que é que deu depois de toda aquela baboseira sobre "eu te vejo e depois não te vejo mais e acho que o fim a gente não vai se ver mesmo". É, toda a baboseira de "vamos salvar nossa relação" acabou por ficar esperando por ações que não virão. E tudo vai acabar na mesma merda da mesmice de sempre. Mas hoje, hoje é um dia que veio pra me ferrar. Pra me ferrar com toda a saudade que eu sinto do jeito que ele me olhava. Pra me ferrar com todo o medo que eu sinto de sentir essas coisas de novo. Veio pra ferrar com o meu plano infalível de não comer mais carne, só por que tem uma lasanha de frango dentro da geladeira que ta me fazendo salivar. Pra ferrar com todo o meu objetivo elitista de decorar todos os livros de direito que eu não tenho o mínimo saco pra ler. Pra ferrar com a minha vontade louca de chorar vendo "O morro dos ventos uivantes" pela centésima vez e depois perceber que eu não to com a mínima vontade de ver aquilo de novo. Pra ferrar com a minha frieza que só tem conseguido ser quente nos últimos tempos.

Daí eu acabo de lembrar que to morrendo de fome. De novo. Só pra ferrar com a minha teoria de que se a gente comer pouco vai ficar mais ligado na vida e coisa e tal. Sábados como esse são aqueles típicos dias que vem pra ferrar com a vida da gente. E, no fim, só serve pra avisar que amanhã vai vir um domingo pior ainda. Todo cheio da vontade de ferrar com meu final de semana já ferrado. E eu me pergunto, pela centésima vez, por quê? Por que eles gostam tanto de me atormentar com todo esse papo de que tudo vai dar certo e dane-se o que passou? Poooooooooooooooor quêeeeeeeeee heeeim?

Silêncio.

Silêncio é a única resposta que eu sempre recebo.

Diário de uma prostituta que tem vida de cachorro

Meu celular toca às três da manha. No visor, uma mensagem dele dizendo que eu já posso ir. Como se fosse meu turno e eu estivesse atrasada demais tentando dormir na minha cama. Não é como receber uma mensagem de "eu te amo" ou "estava sonhando com você". Mas dentre todas as possibilidades, essa é que menos me agrada e a que mais é real. Entao, com o coração batendo forte e o estômago dando cambalhotas, eu pego as chaves do carro e vou.

Vou pra casa daquele que só lembra que me tem quando não tem nenhuma outra alternativa. Vou pra casa daquele que me oferece amor por medo do tédio. Vou pra casa daquele que me ama por cinquenta minutos como se fosse pra sempre e depois me esquece como se nunca tivéssemos nos conhecido. Mas mesmo assim, eu vou. Com a dignidade no fundo do poço e a carência eclodindo das minhas veias. Eu vou. Por que eu prefiro milhões de vezes ser dele pela metade do que deixa-lo me esquecer por inteira. Alguns dizem que isso é falta de autoestima, o que eu definitivamente não duvido que seja. Mas também é o desejo absurdo de ser correspondida de alguma forma, nem que seja por alguns segundos. O desejo absurdo de acreditar que o amor existe e que eu e ele somos felizes. Se é falta de autoestima, eu não me importo. Desde que ele me faça esquecer disso.

Atravesso a cidade em menos de vinte minutos. Por isso que é bom sair de madrugada: não tem transito, não tem leis. Só eu, meu carro e o pouco de sanidade que ainda me resta. Chego na frente do apartamento dele, aperto a campainha. O porteiro já me conhece. Aquele velho careca que me olha com malicia, quase como se eu fosse uma prostituta. E talvez eu seja mesmo. Vivo prostituindo o meu corpo e os meus sentimentos pra quem não tem o mínimo interesse em conseguir isso de graça. Eles me dão em troca um pouco de calor, e está feita a venda. E dane-se as criticas. A porra dos sentimentos são meus e eu vendo pra quem eu quiser. Inclusive o meu corpo, que eles ganham como brinde pela compra bem feita. Subo até o quinto andar do prédio chique com piscina la embaixo. O apartamento dele deve ter custado, pelo menos uns setecentos mil reais, mas isso é o de menos. Dinheiro é a ultima coisa que me interessa. Eu só aceito calor como pagamento, nada mais. Não gosto de dinheiro, me faz parecer suja.

Ele aparece na porta. Os olhos bem abertos, o cabelo bagunçado, o cheiro de álcool. Completamente irresistível. Completamente o homem da minha vida. Completamente meu pra sempre. Sinto meu rabo abanando por trás das minhas costas, mas ele não vê. Por que ele não se dá conta que eu sou o cachorrinho fiel que sempre volta com o rabo abanando e a vontade de lamber ele todinho. Não, ele nem percebe quando os meus pelos se arrepiam só por ele me olhar daquele jeito. Ele só sabe me tratar como cachorro, mas não me ver como um. Talvez por que possa parecer cruel demais pra ele me ver assim e ele goste de se enganar que me trata como gente mesmo. Talvez por que, no fundo, ele goste do meu cabelo curto de humana, do meu gemido baixo de humana, da minha genitália de humana. Mas nada disso importa, contato que eu o tenha pela metade. E daí que eu seja o cachorrinho fiel? E daí que eu seja a prostituta do meio da madrugada que larga todos os compromissos e seriados de tv só pra vir correndo dar um pouco da minha dignidade pra ele? Não me importa.

Dois segundos depois e eu não sei mais onde estão as minhas roupas ou o meu papo de adolescente que dizia que só ia fazer essas coisas depois do casamento. Casamento uma ova. Já sou bem grandinha pra ficar acreditando nessas coisas. Casar virgem é o ápice da estupidez. O ápice das mal-amadas. Casam virgens só pra segurar o homem. Ainda bem que eu não fui estupida. Ainda bem que eu sou bem esperta. Ainda bem que eu dei pra todo mundo que eu queria. Por que só assim eu consigo me convencer que não me arrependo de nada de idiota que eu faça na minha vida. Tipo receber esmolas de qualquer bebum que me aparece em algum barzinho com pegada rock. Tipo me apaixonar por qualquer um com a barba mal feita que fala de mansinho e diz que eu sou mesmo é do tipo de casar. Tipo ir parar na casa deles com todas as expectativas e noites sem dormir só pra me dar conta que eu sou, no fundo, uma mendiga implorando por migalhas.

A verdade é que eu odeio essas epifanias depois do meu conto com finais felizes. Eu odeio me dar conta da minha situação vergonhosa e dos meus enjoos da mesmice platônica só depois que cometo o mesmo erro de novo e de novo. Então, eu junto minhas roupas do chão, chamo o cara de filho da puta, como se isso fosse trazer a minha dignidade de volta, e saio do apartamento dele com a bunda empinada, me sentindo a mulher mais inteligente do planeta. Que vida de cachorro o quê! Eu sou independente e não preciso de ninguém. Chega de me prostituir, chega dessa vida de rabos abanando! Chega! Agora eu vou me concentrar pra ir estudar em Harvard ou fazer um intercambio na Austrália. Vou planejar minhas férias no Havaí com os meus pais e vou dar um banho bem dado no meu hamster quando chegar em casa.

Quando eu tô saindo pela porta dele com todos esses planos na cabeça, ele grita la do quarto que no fundo me ama mesmo. Que no fundo eu sou mesmo é pra casar e ele não presta. Meu problema é que eu acho essa honestidade masculina tão, mas tão bonita, que sempre desisto de Harvard e de dar banho no meu hamster. E volto correndo pra ficar olhando pra aquela baba de cachaça que cai da boca dele, com o rabinho abanando e tudo. Meu problema é ter fé demais nesses idiotas que parecem ter coração. Vai ver eu nasci pra ser cachorro mesmo. Ou pra viver de esmola. E a culpa é toda minha por ter nascido mulher com uma classe média que acaba com todo o meu dom pra miséria.


 

O segredo do Anjo

Ele não sabia, mas ela estava o admirando secretamente.

Com os olhos semiabertos, Samantha tentava definir os traços do estranho homem que a observava dormir. Ela nunca tinha trocado uma palavra se quer com ele, mas o conhecia muito bem desde... Bem, desde que nasceu. Ou ao menos desde que ela começou a lembrar das coisas. Quer dizer, ela o viu a vida inteira.

Ele sempre aparecia para olhá-la depois que ela ia dormir. Todas as noites, durante dezesseis anos. E ela, guiada pela sua intuição infalível, o sentia perto de si. E era exatamente no momento em que o sentia – como rajadas de um sopro quente e adocicado – que ela abria os olhos de leve, apenas o suficiente para compartilhar do momento. Caso ela resolvesse abrir demais os olhos, ele desaparecia tão facilmente quanto surgia, assim como fez há tanto tempo atrás, quando ela acordou de um pesadelo no meio da noite e teve apenas o vislumbre dos cachos dourados desaparecendo na escuridão.

Então se manteve inerte na cama, com a respiração leve, para que ele não desconfiasse de sua consciência. Enquanto ele a observava, a noite lá fora caía em gotas de chuva. E Samantha começou a sentir que, se pudesse ficar assim pra sempre, não se importaria. Desde que ele continuasse ali, secretamente a zelar por ela.

Eu, eu na primeira pessoa

E hoje eu decidi que estava farta de histórias na terceira pessoa. Chega! Chega de ser todas as mulheres que eu não quero ser. Chega de ver com outros olhos, com outro corpo. Chega de me apaixonar pelos caras que não me pertencem, pelas vidas que não são minhas. Por isso, hoje, eu vou ser eu. Eu na primeira pessoa do singular. E eu, na primeira pessoa do singular, preciso mesmo criticar as coisas, sabe? Meio que isso virou meu hobby agora, criticar a vida das pessoas. Como se elas fossem mais idiotas do que eu e como se isso me desse algum tipo de conforto. Óbvio que não me conforta, mas serve pra odiar a vida de alguém que não seja a minha própria, e isso por si só já me ajuda bastante.

Puta merda, não tá dando certo. Hoje eu não acordei a fim de odiar alguém, só de fazer algo de útil. Ou odiar a mim mesma, algo que eu não consigo fazer há um bom tempo. Então, o que acontece quando o sentido da minha existência se esvai? Por que se eu não consigo criticar a mim mesma e nem aos outros, então pra que viverei? Pra morrer no fogo? Boa! Muito, muito boa. Adoro essa coisa toda de morrer no fogo. Adoro essa coisa toda de ser intensa e viver se queimando no próprio fogo. Mas sei lá, não ando muito intensa também. Tô no que poderia se chamar de vida cinzenta. Sabe? É tudo muito entediante. É tudo muito azedo. Daí vem alguém e me atiça com um graveto, como se eu fosse uma fogueira. E começam a sair faíscas de mim. Que decepção! Que decepção que as pessoas sentem quando me cutucam toda com um graveto e só conseguem faíscas! O fogo daqui se foi, minha gente. Minha fogueira ta úmida demais pra aquecer alguém, então desistam.

Tá, mas e agora? Se eu não posso criticar a mim e nem aos outros, se eu não consigo morrer ou matar ninguém no fogo, pelo que eu vivo?

Já sei! Eu vivo pela espera! Eu vivo na frente do elevador que eu chamo de vida, apertando insistentemente aquele botãozinho com a flechinha pra baixo, só pra ver se consigo subir pra algum lugar. Vai que tenha um cara legal lá dentro? Vai que alguém tenha esquecido a carteira milionária no chão? Vai que eu morra lá mesmo? Não sei o que me pode acontecer naquela imensa caixa de metal, mas vivo pela espera dela. Sério, juro pela minha vida que vivo pela espera dela. Por que não tem nada de mais excitante do que esperar pela vinda do mistério, pela chegada do desconhecido. Como esperar pode ser tão cansativo e tão estimulante ao mesmo tempo? Eu espero pela morte da mesmice nessa coisa toda pacata que eu me transformei. Eu crio milhares de expectativas pra um cometa cheio de luz e fogo e cores que vai me acertar em cheio na cabeça e abrir meus olhos míopes pra um mundo lindo que cheira bem. Descobri, descobri pelo que eu vivo! Eu vivo pra aguardar a chegada do meu cometa, da minha pedra dourada de luz.

Mas quando será hein? Quando será que vai chegar a razão da minha vida? Quando será que tudo vai passar a fazer sentido? Quando será que eu vou poder gritar de alegria sem tentar me enganar? Que porra. Ter que esperar pra um cometa atingir a gente no meio das guampa é muito chato. Quase tão pacato quanto olhar novela no meio da tarde. Logo eu, que odiava novelas e meios de tarde. Logo eu que odeio o pacato. Que nojo da minha vidinha de espera, da minha espera pela vidinha. Quer saber? Acho que eu vivo mesmo só pra dar pulinhos de alegria na frente de um espelho e depois cuspir com escárnio pra aquele rosto infantil.

Que diabos me da na cabeça pra escrever essas coisas? Que diabos?

domingo, 8 de abril de 2012

A Bela e o Burro

- Tati Bernardi

[...] Caiu finalmente a minha ficha do quanto você é, tão e somente, um cara burro. E do quanto você jamais vai encontrar uma mulher que nem eu nesses lugares deprê em que procura. E do quanto a sua felicidade sem mim deve ser pouca pra você viver reafirmando o quanto é feliz sem mim e principalmente viver reafirmando isso pra mim. Sabe o quê?

Eu vou para a cama todo dia com 5 livros e uma saudade imensa de você. Ao invés de estar por aí caçando qualquer mala na rua pra te esquecer ou para me esquecer. Porque eu me banco sozinha e eu me banco com um coração. E não me sinto fraca ou boba ou perdendo meu tempo por causa disso. E eu malho todo dia igual a essas suas amiguinhas de quem você tanto gosta, mas tenho algo que certamente você não encontra nelas: assunto. Bastante assunto.



Eu não faço desfile de moda todos os segundos do meu dia porque me acho bonita sem precisar de chapinha, salto alto e peito de pomba. Eu tenho pena das mulheres que correm o tempo todo atrás de se tornarem a melhor fruta de uma feira. Pra depois serem apalpadas e terem seus bagaços cuspidos. Também sou convidada para essas festinhas com gente "wanna be" que você adora.

Mas eu já sou alguém e não preciso mais querer ser. E eu, finalmente, deixei de ter pena de mim por estar sem você e passei a ter pena de você por estar sem mim. Coitado.

Pequeno chilique existencial

São onze da manhã, segundo o relógio do meu celular. Hoje é domingo, não tem despertador. Fui despertada pelo meu medo do escuro lá pelas cinco, mas resolvi mandar os monstros tomar no cu e voltar a dormir. Sei lá, cansei de bancar a garotinha assustada. Olha, hoje é páscoa. Segundo a minha sobrinha de cinco anos, o coelhinho passou na casa dela. Que bom, por que na minha casa o desgraçado não passou. E se passou, eu mandei ele tomar no cu. Vai ver que foi isso que me acordou às cinco da manhã, quando aquele desespero do dia-a-dia me consumiu inteira e eu resolvi não dar bola. Foi o tal do coelhinho cheio de ovinhos de pascoa e coisinhas fofinhas no diminutivo. Que bom que ele foi tomar no cu, por que eu não quero mais chocolate. Não quero mais nada. Chocolate é tão sem graça que agora eu como só pra tirar a atenção da fossa.

Por que ninguém pôde me dar um veneno igual o da Julieta, pra que eu pudesse dormir em paz por mais tempo? Que bosta. Acordo nesse domingo infernal, tendo que suportar os coelhinhos falsos da páscoa me dizendo o que fazer e como comemorar essa data católica que de nada tem a ver com coelhos. Alô-ô, todo mundo sabe que Jesus ressuscitou hoje. Nada de coelhos. E por que coelhos? A coisa do ovo eu até entendo, mas por que coelhos? E se fossem gatos? E se fossem lhamas? Ou furões? Ou anões? Ou fadas? Por que coelhos? São essas perguntas sem resposta com nexo que me deixam maluca. São as questões existenciais que me movem em direção a um imenso tubo zebrado e alucinante que me deixam doidinha. Por que a porra do capitalismo inventou a historinha do coelhinho bonitinho e do chocolatinho gostosinho pra fazer as mães pobres dar todo o salário do mês em nome da tradição puramente econômica da páscoa. É isso aí, economia! Vamos aumentar o marketing, destruir famílias, dar o sonho da páscoa feliz. Mentira, mentira, mentira. É tudo uma mentira. É tudo capitalismo. É tudo sujeira. E eu tô feliz comendo a minha galinha assada nesse domingo – que Deus me perdoe – bem estúpido. Tô feliz com a minha atuação nesse teatrinho de vida urbana. Tô feliz bancando a revoltada, quando não movo um puto dum dedo pra mudar alguma coisa.

Não tenho nada contra o significado religioso, mas o que me irrita mesmo é todo mundo usar isso só pra lucrar. Quer saber, sistema? Vai tomar no teu cu. Tu e esses monstros que me aparecem de noite. Tu e esses coelhinhos saltitantes e assassinos que me assustam na madrugada. Vai todo mundo tomar bem no meio do cu. Mas tirando essa minha parte da revolta, eu tô bem. Tô bem, enquanto nada atinge a minha bolha individualista. Tô bem. Só preciso de uns beijinhos pra me acalmar. Sério, já passou.

sábado, 7 de abril de 2012

A grande tragédia da minha vida

Era uma tragédia. A minha vida toda, todos os meus anos com esse corpo, tudo que tinha me acontecido era uma tragédia. Eu estava num pesadelo sem fim. Eu estou num pesadelo sem fim. É por isso que minhas mão soam quando eu acordo, é por isso que as maçãs do meu rosto ficam vermelhas durante o dia, é por isso que o meu sorriso não sai da minha cara. Por que minha vida continua sendo uma tragédia. E eu sinto náuseas e dores nas costas. Meu pescoço parece que vai quebrar, meu estômago não para de assobiar. É tudo uma tragédia. O amor é uma tragédia que vive me incomodando. Ele entra dentro de mim, quebrando todas as minhas costelas, esmagando meus músculos. E eu sou um fantoche nas mãos dele. Um fantoche ridículo e feliz. Ser feliz é uma tragédia romântica, uma sorte melancólica. Ninguém pode ser feliz, por que a felicidade não é um estilo de vida ou um emprego. A felicidade é um objetivo a se conquistar.

Mas e o que acontece quando a gente alcança a felicidade? Será que a vida acaba? Será que é por isso que eu tenho um vício tão grande em estar sempre triste e cheia de lamentações? Que ridículo! Que ridículo estar feliz. A mera menção de tal acontecimento chega a beirar os recônditos do absurdo. Imagine só! Ser feliz. Não... Ser feliz deveria ser proibido. Deveria ser crime. Ninguém merece ser feliz, por que daí a essência da busca humana acaba. E todo o resto não passou de um grande descuido do destino, de um marketing superficial sobre o que ela realmente significa. Então ser feliz é isso? É morrer para uma vida inteira de cegueira?

Mas eu estou viva. Viva. Eu nunca estive tão viva em todo esse grande espaço de tempo que chamei de vida. Por que nada daquilo significa mais. O que significa é essa felicidade absurda, proibida e ridícula que me derruba no chão com toda a força do mundo. Estar feliz é quase tão ruim quanto estar triste. Por que estar triste nos dá a opção de sermos racionais e realistas. Mas estar feliz não nos da opção. A gente simplesmente acha que a realidade é linda e que o mundo é incrível e deu. E eu não odeio mais a livraria cultura, não odeio a oi, não odeio os casais melosos. Todos eles são lindos. Todos os pássaros do mundo cantam bem. E eu sou uma fantoche ridícula que tem um sorriso idiota no rosto.

A grande tragédia da minha vida foi te conhecer, por que sem ti eu tinha o privilégio de ser triste. Mas tu não me dá opção. E eu não gosto disso. Ser feliz deveria ser crime, pra me punir desse absurdo. Ser feliz é uma tragédia que me fez morrer para a minha vida de absurdos tristes e me obrigou a renascer para algo lindo e puro. E eu odeio coisas lindas e puras. Odiava. Hoje eu só consigo amar. A tudo. A todos. A ti.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Sobre estar faminta

Sinto fome, e isso é bom. Meu estômago vazio ronca, esperneia, grita, chora, dói, bate nas paredes do meu corpo, luta e não se cansa, só pra dizer que precisa de comida, que precisa de complemento. Sentir fome é sentir falta daquilo que me é muito, muito necessário mas eu não tenho tempo de perceber isso enquanto estou satisfeita. Sentir fome é o ápice do amor à vida, o ápice do platonismo, o ápice da paixão não retribuída. Sentir fome me faz sentir viva como nunca me sinto quando estou satisfeita. É uma dor que arde sem se ver, como diria Mário Quintana. Sentir fome quase dói tanto quanto sentir saudade. Por que a saudade não some quando a gente come o que causou saudade, mas a fome se cura quando a gente ingere qualquer substancia meramente gordurosa. Sinto-me tão selvagem, tão animal, tão humana! Meus instintos aguçados, meu olfato agride a dor do meu estômago com todos esses cheiros de comida cozida. Meu paladar saliva só de pensar no gosto do meu alvo, do meu alimento. Eu poderia comer qualquer coisa agora. Até um boi morto eu comeria. Não, certamente eu não comeria um boi morto. Mas alguma coisa feita com a carne do boi cozida e muito bem escondida entre molhos, legumes e outras técnicas culinárias. Algo que disfarçasse a minha cultura estúpida de engolir todo o sangue dos animais só pra me sentir mais saciada.

A questão é que o meu estômago é muito honesto, muito verdadeiro. Ele sabe muito bem a hora em que sente fome e a hora em que não aguenta mais até vomitar. Ele sabe expulsar o que não faz bem sem sentir nenhuma pena disso. Ele é tão simples, tão racional, que quando deixa o meu abdômen inchado por causa do meu exagero, é como se gritasse por libertação. Ele não sente saudade enquanto está satisfeito, ele não chora os litros derramados que não lhe eram devidos. Ele só se sente terrivelmente deprimido quando a fome bate de maneira avassaladora, como o que acontece todos os dias pela manhã. E pela madrugada também. Eu sustento uma verdadeira admiração pelo meu estômago, por que ele sim sabe como ser gente. Ele sim respeita os próprios limites. Não é como eu, a idiota maluca que fica se lamentando por um bolo alimentar já degustado, mastigado, engolido e vomitado. Não... Ele não é como eu que romantiza todas essas merdas bizarras que um dia serviram apenas pra alimentar a minha fome momentânea. Meu estomago faz questão de esfregar na minha cara toda a inteligência e o bom-senso que só ele tem. Ele faz questão de pular que nem uma criança na minha frente, como se me chamasse de burra toda hora. Por que eu, ahh, eu sou faminta o suficiente para querer engolir todo mundo que entra na minha vida, só pra poder sentir o gosto diferente. Eu sou a louca que vai mordendo os braços e pernas e gorduras de todo mundo só pra sentir o alimento sendo enrolado de um lado pro outro na minha língua. Como se ficar mastigando infinitamente as pessoas me servisse pra acabar com a solidão. Por isso que eu vivo mastigando chicletes, por isso que a minha bolsa vive cheia de tridentes. Por que eu preciso viver mastigando pra poder sentir a comida de fato dentro de mim. É muito chato quando a gente fica satisfeita com tudo dentro do estomago e nada na boca, sem gosto nenhum. É muito chato sentir falta daquele liquido viscoso escorrendo por todos os lados das minhas gengivas, banhando meus dentes e expulsando o vazio. É chato, chato, chato.

Deve ser por isso que existem pessoas obesas. Por que elas, assim como eu, não conseguem parar de comer e sentir todos os gostos do mundo, só pra disfarçar a falta que o gosto certo faz. Deve ser por isso que muitas mulheres viram anoréxicas: Por que disfarçar dor com comida se torna ainda mais doloroso do que comer de fato. Daí elas param com essa obsessão quando percebem que as noites vazias e os telefones silenciosos não serão preenchidos pelos carboidratos, mas sim pela falta deles. Por que não comer nos deixa livres pra escolher entre a dor e a pseudolibertação. E comer demais ou comer de menos tá super ligado à culpa. Que nem amar alguém. Por que tu sabe, tu sabe. Eu te amo, eu te amo muito e isso me mata. Me mata que nem comer milhões de calorias por dia. Te amar entope as minhas veias de gorduras e me deixa inerte que nem uma obesa. Eu vivo te engolindo pelo dia inteiro, fico regurgitando como uma vaca tudo o que vem de ti. E toda aquela tua conversa no final da noite sobre como a saudade mata me mata de salivar por ti. Com aquela tua voz grogue de quem tá com sono. Tão lindo e tão gorduroso! Te amar é estar sempre faminta sem suprimento algum pra me alimentar. E eu tenho vontade de te devorar inteiro, sem nem mastigar, só pra encher o meu estômago com cada centímetro do teu corpo. Mas não, eu não te engulo. Eu te degusto. Aos poucos, como alguém refinada que eu sempre quis ser. Uma mordidinha aqui, outra ali... Nada que me faça parecer gulosa demais. Preciso me controlar pra não acabar contigo logo na primeira dentada, preciso ser uma dama educada, uma menina delicada. Comer devagar, sentir o sabor e jamais parecer uma selvagem.

Não, eu não vou conseguir fazer isso. É difícil demais dizer não aos nossos instintos, difícil demais negar algo pra mim mesma. Acabei de decidir que eu vou te engolir vivo, que nem uma jiboia. Vou ficar por sete dias te digerindo no meu estomago inchado. Talvez isso me sacie por algum tempo. É. Sem ver as tuas tripas, sem estraçalhar esse teu rosto lindo. Eu só vou te engolir. Só pra te manter ali, dentro de mim, sabe? Sei lá, pode parecer meio psicótico, mas eu gostei da ideia. Vou te comer vivo. É, é, vou te comer vivo. Meu almoço, meu amor, meu tudo!

- Alfredo – disse eu num sobressalto -, prepare a louça de jantar porque hoje é dia de banquete!

A mulher de vermelho

A mulher de vermelho é a típica quarentona muito bem sucedida que eu tanto quero ser quando chegar naquela idade. Os cabelos negros caem como uma cortina que fecham o rosto cansado. É míope, tadinha. Que nem eu. Temos tanto em comum que quase me emociono com as semelhanças. E ela é a professora, ex-presidente de não sei o quê e isso e aquilo. Ou, em outras palavras, a quarentona toda fodona de vermelho. Uma daquelas que deixou das drogas e do rock'n roll em prol do futuro da humanidade. Ou não. Talvez ela tenha simplesmente mudado uma pequena parte do mundo...

Eu sou apenas a observadora cega que não entende da vida de ninguém. Mas, no meio de um discurso sobre jurisdição e toda essa porcaria de direitos dos adolescentes, ela diz algo que me toca. Algo sobre como os problemas da sociedade atingem uma profundidade superficial. Algo sobre como as pessoas não olham de outro ângulo, mais profundo do que esse que todo mundo vê. E de repente, uma pequena parte de mim começa a admirá-la. Quer dizer, num mundo cheio de babacas míopes, ela é uma pessoa que vale a pena ser escutada. Então, paro de prestar atenção na calvície da senhora sentada na minha frente e me concentro no discurso ético da mulher. Não me lembro do nome dela agora, mas sei que ela é bem importante. Ou foi, pelo menos, por um tempo, para o Estado. E ela diverge sobre como os problemas não são entendidos, e sobre como a sociedade influencia no andamento da justiça. E ela sorri, de uma forma toda educada que diz "eu sorrio assim por que sou bem sucedida de mais para estragar minha expressão com um rasgo catastrófico na boca". Ou algo assim. Os óculos, caídos na ponta do nariz, a tornam interessante. Não de maneira atrativa, mas de maneira intelectual. A típica chefa filha da puta que acaba com a tua vida social, mas tu admira mesmo assim.

Sei lá, ainda não entendo por que gosto tanto de criar toda uma historia em cima dessas pessoas que eu mal conheço, mas talvez seja útil. Eu admiro a mulher de vermelho mesmo. E eu a julguei por todas as minhas ideias sem sentido sobre ela. Minha psicóloga me perguntou se eu gostaria que fizessem isso comigo. Mas eu gostando ou não, as pessoas fazem, certo? Então eu também tenho esse direito. Por que eu sou uma velha cheia de esquisitices e remorsos e saudades já aos dezoito. O que será de mim aos sessenta? Será que eu vou ser a mulher deprimida com o sorriso contido naquela roupa vermelha discursando no Tribunal de Contas do Estado como alguém que realmente sabe das coisas? Ou eu vou apenas ser a velha chata e amargurada no canto de algum asilo?

Circo. Eu vou trabalhar no circo. Aos sessenta eu vou ser a melhor malabarista do mundo. E tudo isso com uma roupa vermelha, que nem a moça triste que eu descrevi. E seremos muito felizes. Ou não.