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terça-feira, 31 de julho de 2012

O ultimo - Tati Bernardi


Eu me descubro ainda mais feliz a cada pedaço seu e de tudo o que é seu. Eu amo tanto o seu banheiro com as combinações em verde e a chuva fina do chuveiro, que chorei essa manhã enquanto você tomava taffman-e e ouvia música eletrônica.
Às vezes você é tão bobo, e me faz sentir tão boba, que eu tenho pena de como o mundo era bobo antes da gente se conhecer.
Eu queria assinar um contrato com Deus: se eu nunca mais olhar para homem nenhum no mundo, será que ele deixa você ficar comigo pra sempre?
Eu descobri que tentar não ser ingênua é a nossa maior ingenuidade, eu descobri que ser inteira não me dá medo porque ser inteira já é ser muito corajosa, eu descobri que vale a pena ficar três horas te olhando sentada num sofá mesmo que o dia esteja explodindo lá fora.
E quando já não sei mais o que sentir por você, eu respiro fundo perto da sua nuca, e começo a querer coisas que eu nem sabia que existiam.
Quando a gente foi ver o pôr-do-sol na Praça pôr-do-sol, eu, você e a Lolita, a minha cachorrinha mala, e a gente ficou abraçado, e a gente se achou brega demais, e a gente morreu de rir, eu senti um daqueles segundos de eternidade que tanto assustam o nosso coração acostumado com a fugacidade segura dos sentimentos superficiais.
Eu olhei para você com aquela sua jaqueta que te deixa com tanta cara de homem e me senti tão ao lado de um homem, que eu tive vontade de ser a melhor mulher do mundo.
E eu tive vontade de fazer ginástica, ler, ouvir todas as músicas legais do mundo, aprender a cozinhar, arrumar seu quarto, escrever um livro, ser mãe.
E aí eu só olhei pra bem longe, muito além daquele Sol, e todo o meu passado se pôs junto com ele. E eu senti a alma clarear enquanto o dia escurecia.
Eu te engoli e você é tão grande pra mim que eu dedico cada segundo do meu dia em te digerir. E eu não tenho mais fome, e eu tenho que ter fome porque eu não quero você namorando uma magrela. E eu sonhei com você e acordei com você, e eu te olhei e falei que eu estava muito magrela, e você me mandou dormir mais, e me abraçou.
Eu preciso disfarçar que não paro mais de rir, mas aí olho pra você e você também está sempre rindo. Se isso não for o motivo para a gente nascer, já não entendo mais nada desse mundo.
E eu tento, ainda refém de algumas células rodriguianas que vez ou outra me invadem, tentar achar defeito na gente, tentar estragar tudo com alguma sujeira.
Mas você me deu preguiça da velha tática de fuga, você me fez dormir um cd inteiro na rede e quando eu acordei o mundo inteiro estava azul.
Engraçado como eu não sei dizer o que eu quero fazer porque nada me parece mais divertido do que simplesmente estar fazendo. Ainda que a gente não esteja fazendo nada.
Eu, que sempre quis desfilar com a minha alegria para provar ao mundo que eu era feliz, só quero me esconder de tudo ao seu lado.
Eu limpei minhas mensagens, eu deletei meus emails, eu matei meus recados, eu estrangulei minhas esperas, eu arregacei as minhas mangas e deixei morrer quem estava embaixo delas. Eu risquei de vez as opções do meu caderninho, eu espremi a água escura do meu coração e ele se inchou de ar limpo, como uma esponja. Uma esponja rosa porque você me transformou numa menina cor-de-rosa.
Você me transformou no eufemismo de mim mesma, me fez sentir a menina com uma flor daquele poema, suavizou meu soco, amoleceu minha marcha e transformou minha dureza em dança. Você quebrou minhas pernas, me fez comprar um vestido cheio de rendas e babados, tirou as pedras da minha mão.
Você diz que me quer com todas as minhas vírgulas, eu te quero como meu ponto final.

Nada

Observo a página em branco do word, deixando-me levar pelo peso na consciência. Há quanto tempo não escrevo? No mínimo duas semanas... Duas semanas sem escrever. A falta de prática explode pelos meus poros, se transformando em um costume bárbaro, uma falta meticulosa de eu contra mim mesma. Os dedos começam a dançar em cima do teclado, impacientes. As ideias começam a borbulhar, assassinando grande parte dos meus neurônios pelo esforço de transformar pensamentos desconexos em frases bem compostas. Onde estava? Ah sim, ia escrever algo sobre os olhos de uma menina. Eram fugidios e possessos. Uma vertigem toma o lugar de minha imaginação e sou tomada pelo fascínio daquela imagem. A garota me observa sem saber que estou ali. Estamos ambas perdidas. Os braços caídos ao lado do corpo com os dedos a tamborilar a cadeira negra de carvalho. Também estou assim, penso eu. Também observo o nada como se, por alguma sorte, algum fantasma orasse por mim. Torço pela vitória dela, ainda que não saiba sobre o que se trata sua divagação. Mas será que ela também me vê? Será que ela também torce por mim? Busco por reciprocidade em um lugar desconhecido. Mas, por Deus, temo que esteja ficando doida.

Então, num sobressalto, ela se curva sob a velha máquina de escrever e seus dedos agitam-se num badalar rápido e confuso sob as teclas barulhentas. O brilho nos olhos, a curva dos lábios e o modo como suas costas se arcam quase como uma onça a caçar, lembram de mim mesma ao inventar historias, ao viajar por mundos, ao descobrir dentro de mim o universo jamais antes conhecido. Com todas as forças do meu ser, eu a invejo. A inspiração claramente nasceu naquele coração e daquela mente sairão histórias imortais. Aquele rosto ficará gravado para sempre no coração de quem a procurar e suas palavras jamais morrerão. Somos um paradoxo. Ela transforma sua inteligência em uma melodia escrita para o mundo a fora, presa nos confins de algum ano de um passado remoto. E eu deixo que minha inteligência apodreça em algum canto escuro, presa nos confins de uma modernidade de extrema chatice que me condena ao eterno descontentamento.

Fecho aquela imagem. O rosto da garota me irrita, então volto para mim mesma. O barulho de chuva caindo já não me é suficiente para embalar historias. Já não imagino diálogos, já não quero viver outras vidas. Não há nada que me incomode, nenhuma critica, nenhum elogio. Sou um nada. Um grande, redondo, vazio e entediante nada. Ainda nem me tornei escritora e já sinto como se estivesse falida, no falecer de uma dádiva que ainda nem teve tempo de nascer. A morte prematura do meu talento me sufoca, me deprime, me revolta. Como pude chegar a esse ponto? Como pude me deixar levar por valores supérfluos? Já não vejo mais os meus mundos, já não encontro mais as minhas palavras. Acho que estou tendo uma espécie de crise de meia idade... Meus dedos imploram por mais. Oh, por favor, digite. Oh, por favor, crie. Mas eu não crio, não posso mais. Não há chuva que me anime, não há historia que me comova. Sou um nada que sobre nada poderá escrever. Não quero que isso seja uma despedida, pois despedir-me de um dom seria como despedir-me da vida. Não posso viver uma vida em que não há escrita. Sem poesia, eu morreria. Mas estou num estado que é ainda pior do que a morte. Algo entre o inicio e o fim. Uma espécie de perdição, de nada, de vácuo, de breu.

Observo de longe enquanto a menina se agita com sua maquina de escrever e, tardiamente, percebo que a conheço. Os óculos que escorregam pelo nariz, são os meus. Os dedos que se movimentam pelas teclas, são os meus. Cinco anos. La estou eu, aos cinco anos, a brincar de ser escritora na velha maquina de escrever da minha mãe. Lá estou eu, aos cinco anos, criando mais do que eu aos dezoito. Observo-me no auge da minha infância no exato momento em que o meu presente está falindo.

Mas sinto nada. E nada poderei dizer.

Isso não é uma despedida. É apenas uma forma triste de dizer que já não sinto tristeza. Mas preciso dormir, a vida continua amanhã. E quem sabe escrever, finalmente, tenha virado algo desnecessário.

sábado, 28 de julho de 2012

Sobre a liberdade de ser cego

Joguei minhas malas no chão e deixei que as lágrimas corressem livremente pelo rosto. Mesmo vermelha, mesmo tremendo, mesmo gaguejando, eu ia falar. Ia mesmo.

- Quer saber? Quer saber o que me deixa mais triste?

Ela olhou para o lado, buscando alguma saída, algum olhar indiferente. Sem nenhum sucesso. Sem nenhuma escapatória. Respondeu de modo seco.

- Não.

- Mas eu vou falar. Vou falar sim. – Fui mais pra frente com toda a força, apontando o dedo pra aquele nariz pálido. – Me deixa triste saber que vocês tem tudo. Tudo pra dar certo, mas não conseguem enxergar. Quer saber? Pode até ter dinheiro. Pode até ter um corpo bonito. Pode até ter opiniões inteligentes. Mas perfeição não exige contemplação. A verdade é que você é uma burra. Você e sua realidade estúpida da adolescência tipicamente americana. Você e seu dinheiro estupido. Você e essa sua merda de falta de auto-estima que destrói a porra da pessoa maravilhosa que você poderia ser. E isso me deixa triste, tão triste que eu te odeio agora. Eu te odeio profundamente por não perceber o próprio valor, por não acender a própria luz. Como que tu não ve? Como que tu não ve o brilho que tu tem?

- Eu preciso ir embora, eu precio...

Disse ela, indo para trás, tentando não parecer impotente. Quase tapando os ouvidos. Mas eu não a deixaria ir tão facilmente. Não mesmo. Caminhei pra frente de modo que a prendi contra a parede, sem escapatória. Dane-se

- Não, você não vai a lugar nenhum. Quer saber? Eu te admiro pra caramba. Porra eu admiro todas as tuas virtudes, toda a tua humildade, toda a bondade que sai do teu coração, que a propósito também é enorme. Mas eu odeio essa bolha maldita que te impede de brilhar. Como tu pode ser tão idiota? Tu tem luz própria, porra. Tu ilumina esse mundo podre com teu sorriso triste de insatisfação. Mas isso não é suficiente, por que tu não quer iluminar. Teu corpo é uma vela de cera apagada. É uma lâmpada de vidro que não funciona. É como a lanterna defeituosa que não pode ser usada. Pra que guardar tanta beleza? Pra que? Alias, por que todas as pessoas mais brilhantes insistem em se esconder atrás de máscaras, futilidades e friezas? Por que esconder toda a tua força? Vai me explica de uma vez, por que eu sou burra demais pra entender essas coisas de gente clássica. Vai, enfia na minha cabeça de classe média o que só a tua alta cultura (pesquise no google) consegue entender.

- Eu não sei o que tu quer dizer com isso.

- Sabe! Sabe sim! E sabe muito bem! Tu é oca por dentro por opção. Todo mundo oco é oco por opção. O mundo transborda de escolhas, de conhecimento, de dúvidas. E sabe o que é que gente que nem tu procura? Soluções. Respostas exatas pra todo o mistério da vida. E daí o amor é uma mentira, a confiança é uma mentira, Deus é uma mentira, Eu sou uma mentira. E daí a vida inteira faz tanto, mas tanto sentido, que chega a perder o gosto de misterioso. E daí tudo pode ser tão explicado, que se torna muito sem graça. Tudo é tão fácil, tão alcançável que se torna muito chato. E viver é o eterno ato entediante destinado a nós, seres que viemos do Big Bang. Somos macacos pensantes com respostas prontas para tudo, rastejando para uma vida entediante de destaque.

Ela piscou, enquanto as lagrimas caíam incessantes pelas bochechas rosadas. Parecia confusa, triste.

- Eu não consigo entender o que tu quer de mim!

Foi então, com certo desapontamento, que eu percebi: Não havia como salvá-la. Não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer por ela, além de permanecer ao seu lado torcendo. Existem certas coisas na vida que ninguém pode fazer pela gente, só nos mesmos. E enxergar a realidade é uma dessas coisas. Eu não poderia simplesmente mostrar a ela minha visão, eu não poderia simplesmente faze-la entender: Ela que tinha que enxergar sozinha. Era como se eu estivesse segurando um quadro bem na sua frente e ela estivesse com os olhos vendados sem a mínima ideia de como tirar a venda. E não cabia a mim fazer isso, por que é uma das coisas que apenas nós podemos fazer por nós mesmos.

Cada um tem sua hora, cada um tem seu tempo. A gente não pode forçar o cego a enxergar, tem que partir dele. É tudo uma questão interna, de força de vontade, de sede. Algumas pessoas passam a vida sem pensar, sem se conhecer. Outras, só chegam a esse estagio na velhice. E ainda há alguns lunáticos que alcançam esse estado de auto observação na vida adulta. Mas há casos, em que certas pessoas, seja por iluminação divina, seja por pura paranoia, conseguem se dar conta dessas coisas ainda jovens. Mas é uma questão individual. Não cabe a mim influenciar a evolução do próximo e muito menos força-lo a ver coisas que somente eu vejo. Seria absurdo!

Então sorri, deixei que meus braços caíssem inertes ao lado do corpo e respirei fundo, tentando deixar que a minha revolta sumisse. Meu trabalho ali já estava concluído, era tudo que eu podia fazer.

- Tudo bem – disse eu. Tudo bem.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Meu estalo de Vieira

"Em cada átomo existem mundos dentro de mundos." - YOGA VASISHTHA

Tudo é energia.

Inclusive o vazio, que é um lugar lotado de energia acumulada, esperando para se a transformar em alguma coisa.

Acabei de perceber o que é a realidade que estamos acostumados. Acabei de perceber que nível pequeníssimo de evolução eu estou, nós estamos. Enquanto olho para os lados e vejo a natureza, os móveis, os animais e as outras pessoas separadas de mim com uma individualidade que pertence a elas, há uma dimensão oferecendo possibilidades e oportunidades dos mais diversos modos. São as respostas que não queremos ver. É essa visão errônea que fecha meus olhos para o próximo passo. É essa ilusão de realidade física que corrompe a minha sabedoria infinita.

Como não me dei conta disso antes? A própria ciência, envolta por ceticismo, prova essa teoria todos os dias! A própria física e a química e até mesmo a matemática dão provas de que não estou errada. Finalmente vejo certo sentido, certo mistério, certa sedução. E a sabedoria, meus caros, é como a água fria que te acorda para o mundo. Finalmente sinto-me acordada de novo, sedenta por mais choques de realidade. Percebo agora, não só com os olhos, mas com o coração, que eu sou parte do todo. Você consegue entender? Esse mesmo campo de energia que me cerca, cerca também a todos os outros seres vivos e não vivos. O planeta é uma bola gigantesca formada por energia, criada por energia, nascida da energia.

E eu, como um ser pensante envolto por energia, tenho o poder de movimentar a energia do mundo e criar minha própria realidade física. É simples, só tenho que juntar os átomos, criar as cadeias, reformular minhas crenças e Chazam! Sei que parece meio maluco e meio óbvio para aqueles que já ouviram falar do assunto, mas estou frenética. Acabei de alcançar um nível superior ao que eu estava estagnada por tanto tempo. Por muito tempo, eu soube de tudo isso mas ignorei por que a realidade virtual, essa espaço de tempo que é cercado de regras e horários mundanos, cegava a minha percepção. Por muito tempo, eu tive completa noção disso tudo de energia e pensamentos e almas e sabedoria, mas era teórico. Ficava lá, resguardado com uma máscara de misticismo. É o velho costume medieval de confundir verdade com magia. Agora sinto como se sempre soubesse, como se sempre tivesse me valido de tais poderes. E é verdade! Nós já nascemos sabendo, mas por algum motivo, gostamos de nos manter focados no virtual. Nessa projeção de imagens que criamos como a verdadeira simplesmente por que são as que julgamos como provas de realidade. Se posso tocar, é por que existe. Quanto arcaísmo! Quanta cegueira!

Agora, que finalmente tirei as pedras que fechavam os meus olhos, consigo enxergar além. Consigo ver meus sentimentos e minhas ações e minhas vontades como um só. E todo o meu passado, de repente, se liga ao meu presente, de forma que meu futuro será previsto do modo que eu quiser. Ainda existem questões e dúvidas. Mas que encantamento teria uma busca sem mistérios? E caiu a minha máscara e todas as correntes que eu mesma tinha posto para prendê-la ali. Caiu em terra todas as minhas cordas e planos de auto sabotagem, Finalmente posso ver com sentimento. Finalmente enxergo com o coração. Não posso traduzir isso em outros termos. E sei, mais uma vez, pareço maluca aos olhos dos céticos que estão inundados de certeza. Ótimo, guardemo-nos em nossas ignorâncias opostas, para que nos privemos de discussões infundadas. Respeito mútuo é fundamental para o próximo passo, ainda que muitos desejem permanecer estagnados.

A Obsessão

Desligo o celular, apago as luzes e deixo que alguma música aleatória role do meu computador. São seis horas, o sol se põe em algum momento glorioso e inesquecível na vida de alguém que o observa se ir, enquanto eu me privo de qualquer toque externo de esplendor. Na minha cabeceira, guardo um amigo fiel, um companheiro de todas as horas. "A paixão segundo G.H." é o nome dele, autoria daquela tal de Clarice Lispector de quem tanto falam nas redes sociais. A mulher só podia ser meio doida, percebe-se só de ler algumas frases que ela escreveu. E por isso sou tão imensa e profundamente grata a ela: Dificilmente um estranho consegue descrever minha introspecção de forma tão tristemente bonita. Quase choro quando lembro daquele conto sobre a menina ruiva e o cachorro enamorado. Quanta sensibilidade! Quanta besteira!

Minha companhia me basta. E talvez esse texto sirva apenas para sublinhar essa verdade. Minha companhia me basta. Vê a sonoridade das palavras? Minha companhia me basta. De um modo meio disforme, meio completo, mas ainda assim, sonoro o suficiente para me manter saciada por algum tempo. Será que sou mesmo apenas mais uma dessas pessoas patéticas que passam a vida procurando por distrações e certezas que as preencham? Não, não quero ser assim! Acho que consigo me diferenciar da massa. É que distrações raramente conseguem me manter entretida por tempo suficiente, então procuro por algo mais duradouro, mais profundo. Acontecimentos ou objetivos que me deem total certeza de meu futuro e ainda assim não se bastem em si mesmos para preencher o meu vazio existencialista, vulgo obsessão.

Meu Deus, eu sou obsessiva! Claro, claro, como nunca vi isso antes? Estou obcecada! No momento, estou obcecada pelo meu poder mental. Mas, agora tenho certeza, será diferente. Não é apenas uma obsessão, é mais um estudo profundo sobre a nossa capacidade e força e evolução, entende? Andei me interessando bastante por Yoga, culinária e positividade também. São assuntos que passam batidos, mas são essenciais para o meu crescimento. No momento, existem cinco livros me fazendo companhia. É quase como um evento social, com sorrisos e teorias e conversas infinitas sobre assuntos antes não questionados. E dá pra acreditar que as cinco pessoas mais incríveis do mundo ficam o dia inteiro a me esperar bem do lado da minha cama? É, eu sei. Sou sortuda.

Ler é uma das poucas maneiras que encontro para distrair o meu descontentamento. O quão relativo isso pode ser, em Einten? E= MC², hein? Claro, claro... Sempre fez muito sentido na verdade. Sempre acreditei bastante nessa teoria da unificação e nessa coisa de a energia formar o todo e tal. É só que pensar sobre isso, me põe num estado de questionamento além das minhas possibilidades. A quem devemos recorrer quando tudo o que fomos ensinados se rompe? Não vejo mais paredes, obstáculos ou castigos. Não vejo mais realidade, por que até mesmo a certeza da ciência se tornou subjetiva. Pra onde eu devo fugir, quando tudo que me parecia seguro se rompe em ilusão? E o filme Matrix jamais fez tanto sentido quanto agora. E todas aquelas teorias sobre religião, politica, economia, historia, matemática, sociedade... Elas se perdem, se confundem, se quebram ao meio das minhas novas percepções. Minhas certezas foram quebradas e, por isso, me apego à única certeza que me resta: A certeza de que estou obcecada.

Raramente tenho total consciência de como andam meus sentimentos, por que eles, assim como eu, têm mudado a todo instante. Agora consigo sentir! Eu sinto certeza e claridade, como uma luz no fim do túnel, algo em que posso me agarrar enquanto o vagão com a minha vida passa em velocidade máxima ao meu lado. Quase não consigo acenar, por que toda despedida me assusta. Principalmente se for uma despedida das minhas certezas. Então começo a entender por que tenho me agarrado a tantos vagãos aleatórios. São minhas obsessões oferecendo certa segurança naquele meu velho método de sobrevivência. Lá vai um, repleto de arcos e flechas. Lá vai outro, repleto de violões e pianos. La vai outro, repleto de caras e bebidas. Ainda tem mais um, cheio de consumo exagerado. Olha, tem mais outro, com um globo espelhado iluminando a escuridão sonora do ambiente propositalmente criado em prol da diversão fugaz. Espera... Ta vindo mais um, cheio de companhias desagradáveis. São meus próprios vagões, construindo um trem imenso e lotado de obsessões descartáveis. Percebo, com certo orgulho, com certa vergonha, que andei ocupada demais construindo uma sucessão de sonhos infundados, de encantos mal formados.

Precisei me despir de todos os meus exageros pra poder enxergar com alguma sobriedade o que havia me restado. É como uma ressaca moral. Tomei um porre dessa vidinha barata, dessa projeção enganadora e agora estou no meio do meu vômito de consciência. E sinto como se estivesse apenas no começo, como se todo esse misto de culpa e arrependimento não tivessem atingido seu ápice. É que essas coisas de dependência e obsessões são meio contraditórias, a gente meio que quer largar, meio que quer continuar. Mas não existe meio. Existem certezas que se quebram, certezas que aceitamos como certezas pra não ter de pensar no teor original da certeza que, provavelmente, se quer foi formada. E existem as dúvidas, o incerto, o não pensado, que, normalmente, é o caminho mais fácil a ser seguido.

Sei lá, desde que as coisas chegaram a esse ponto de obsessão, eu já tive opções consideráveis para poder seguir minha vida sem precisar de motivos que a impulsione. Mas daí, daí eu penso que talvez, só talvez, toda aquela historia sobre o ser humano estar sempre insatisfeito pode fazer certo sentido. Não me satisfaço com nada, seja profundo ou superficial, frio ou quente, forte ou fraco. Sempre quero mais, sempre busco mais, sempre vejo mais, sempre sinto mais, sempre não quero mais. Entende? É não querer demais! E esse meu não querer é infinitamente mais perigoso e triste do que o querer. Quando quero, sei que quero, e vou atrás. Simples, rápido, doloroso e, na maioria das vezes, bem complicado, mas melhor. E quanto a não querer? É chato. Quando não quero, não quero com todas as forças do meu ser. O não querer gera uma revolta tão grande no meu organismo que eu chego a adoecer. Daí me privo, me fecho, me sumo. Dou uma volta, saio de cena, caio fora, sacomé? O não querer me priva das minhas obsessões e das minhas razoes de existência, tornando a minha realidade entediante. Um universo repleto de duvidas que fazem sentido e certezas que não me preocupam.

O tio Einsten tem toda a razão, a proposito. E= MC². Energia é igual a matéria mesmo, ele tem toda a razão. É o não querer que me mostra o óbvio, o antes nunca explorado. É o não querer que me livra de todas as regras sobre obsessão e de todos os clichês sobre sentir-se vazio e coisas assim. Eu sou mais do que isso, por que me basto e me basto bem longe de todo mundo. Chega um momento em que as pessoas começam a ser entediantes e socializar vira um martírio. As conversas são as mesmas, os sorrisos são ensaiados, os olhares são controlados. Não preciso de palavras medidas nem de abraços com hora certa pra acabar. Eu me basto. E, por me bastar, não me suporto. Que companhia poderia ser pior do que a de alguém que já não suporta a companhia de ninguém mais? Não me suporto e, a isso sim, chamo de não querer. Não quero nem a mim, façam o que quiser. Estou obcecada a não me querer, a não querer mais.

Exílio. Abdicação. Introspecção. Obsessão. Podem chamar do que quiser. No final, será sempre você contra você mesmo.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Epifania de Domingo à noite, parte I

As luzes da cidade iluminam minha passarela de conquistas recentemente inaugurada. São restaurantes, cinemas, baladas, lojas e parques sendo invadidos pela minha fome devoradora de todos os segundos possíveis. É a noite servindo de cenário para os meus passos recém aprendidos. Tenho aprendido a viver, enquanto caminho desvairada por cima do asfalto sujo, quase como um rato do banhado que procura algum tipo de reconhecimento. E então eu me jogo no primeiro bueiro, tentando procurar um objetivo fixo pra continuar nessa eterna busca. Busca pelo quê mesmo? Por brilho? Por vida? Por amor? Acho que por tudo. Acho que por respostas. Mas, fala sério, eu estou procurando por respostas nos lugares mais absurdos. É encantador e triste ao mesmo tempo. É sedutor e repugnante na medida certa, então por que não tentar? Me jogo de cabeça nesses bueiros, nesse racionamento de diversão barata. Barata uma ova, eles bem que cobram preços razoáveis, cujo teor não me satisfaz nem um pouco. Chega a ser irônico: Eu pago para ficar entediada.

Lá estou eu, de novo. São minhas expectativas sendo, uma a uma, quebradas. A música que embala o funeral dos meus princípios, a vodka que desce enquanto o torpor continua a subir. Eu vou ficando tonta e, de repente, tudo isso faz sentido. Enquanto o chão se move por baixo da minha falta de equilíbrio, aquelas milhões de constatações e teorias vão ficando de lado. É noite, eu devo me divertir. Não está divertido, mas posso ver diversão no torpor. É isso que manda aquele velho manual de instruções para solteiros felizes e independentes: Tu tem que sair, encher a cara e se divertir, só pra esfregar na cara dos casais o quão livre e autossuficiente a solidão pode te tornar. Opa, eu disse solidão? Quis dizer liberdade. Isso aí, é a liberdade na forma mais pura da palavra! E ai de mim que duvide disso. É quase como uma religião, cheia de dogmas e conceitos e rituais. A religião dos solteiros, onde veneramos nosso próprio ego e nos alimentamos de afirmações alheias sobre nossa própria personalidade falsa. É tudo um joguinho pré-meditado, com o intuito genial de nos engrandecer a alma. É triste, por que não funciona. É triste, por que eu não quero que funcione. Não precisa ser assim. Ou... Ou talvez eu não me encaixe nessa religião. Alimentar meu ego se torna cansativo e entediante: perde a graça depois dos primeiros quinze minutos de bajulação.

Funciona mais ou menos assim: Eu não conheço o cara, o cara não me conhece. Mas ainda assim, brilhantemente, ele diz que eu sou a mulher mais linda e especial do planeta Terra. Sabe, isso funciona que é uma maravilha quando tu pretende fechar os olhos e não se importar com o bom senso que fica gritando por baixo daqueles goles de bebida. Mas me permitir tal coisa é uma afronta à minha inteligência. Então desisto. Desisto, mas não só por ser incrivelmente inteligente e totalmente contraditória. Desisto por que te vejo. E é nessa parte que vem a minha loucura. Tente entender, não faço de propósito. Mas te vejo. Encostado nas paredes vermelhas com aquela expressão de tristeza forçada, beijando a menina da primeira fila da pista enquanto se pergunta se ela aceitaria algo a mais de um jeito bem safado que tu não sabe ter, jantando uma lagosta com a boca a boca aberta e os dedos sujos de molho, assistindo o filme do Johnny Depp com aquelas calças jeans surradas que eu odeio, caminhando pelas ruas com a cabeça baixa e o peito estufado por que tu não sabe se da mais ouvidos à tua insegurança ou ao teu ego naturalmente machista. Te ver destrói meus planos de felicidade suprema. Te ver dói, de uma maneira que eu gosto, de uma maneira que me assusta. São milhões de cópias do teu rosto em hologramas que meu cérebro projeta como uma forma de me fazer sentir uma solidão absurda, mesmo nos lugares mais alternativos e descolados possíveis.

Daí são horas de diversão desperdiçadas em hologramas. Conversamos, quase sempre, antes que eu saia de casa. Tu me diz que não faz sentido e que eu não sou assim. Eu te digo que vou, por que preciso esfregar minha independência na tua cara. E então vamos. Eu e tu. Teu fantasma me seguindo em cada centímetro dessa cidade. E isso me dá certa segurança. É sempre olhando pra ti que eu digo não aos caras, às enganações ou às ofertas de prazer fugaz. É sempre na tua presença que eu sorrio de uma forma libertadora e meio maluca, por que preciso me convencer de que estou fazendo muito bem o meu papel de garota descolada. É por ti que eu digo sim ao cinema, ao e-mail, ao encontro na próxima festa e ao sorriso falso de reconhecimento. É por ti que eu distribuo olhares sedutores e aquela voz aveludada. Te vejo decepcionado e isso me alimenta. É a minha psique provando, mais uma vez, que eu preciso de tratamento. É o meu ego ferido, mais uma vez, tentando me dar algum motivo plausível pra continuar nessa busca sem sentido por algo que não compreendo.

Quer saber? Acho que sei pelo que procuro. Mas admitir para mim mesma que saio procurando por ti só iria engrandecer o meu comportamento doentio. E, sejamos honestos, é sempre difícil admitir pra si mesmo esse tipo de coisa. É a verdade. Eu sei, é doentio. Entenda, mesmo doentio, ainda é verdadeiro. Entenda, sou meio maluca mas ainda consigo ser meio sincera também. É só que... Olho para as pessoas e não vejo esperança ou expectativas. Vejo sorrisos com prazo de validade e confianças emolduradas por punhais. Raramente encontro algum ser iluminado que esteja perdido no meio do caminho e, se tiver sorte, ele talvez tope por mim. Então te busco. Por que sinto certo amor, sinto certo ódio. Mas tu vale por todos esses virgens que me atrapalham. Oh, não entenda mal novamente. Virgens no sentido sexual, certamente, muitos deles não são. Mas quando digo virgens, refiro-me aos olhos. Ou ao cérebro. Ou ao coração. Há casos sem solução em que o individuo simplesmente é triplamente virgem, dá pra acreditar? E tu não. Tu é perito nessas coisas de olhos e cérebro e coração. Tu me da as respostas da vida e instiga a minha curiosidade infantil, enquanto distribui amor para todos os meus poros quase mortos. E é por isso que não posso admitir pra mim mesma que te busco: seria uma afronta à minha independência.

É só que sempre me decepciono. Por que não tem ninguém real nesses lugares que substitua o teu holograma. Não tem ninguém nesses e-mails e facebooks aleatórios que substitua as ilusões que eu tenho contigo. Não tem ninguém presente que substitua a simples ideia da tua presença. E essas conversas vazias não significam nada perto dos silêncios preenchidos por aquela intimidade que eu só tenho contigo. Tu não sabe, mas me irrita inconscientemente. Por que são nessas horas, nas horas em que eu mais quero amar a minha capacidade de não amar, que percebo que te amo. Te amo sempre em todo o momento, mesmo sem querer, mesmo querendo, mesmo quando te odeio. Fato que atrapalha muito a minha tentativa do não-amar. Que atrapalha o meu sonho americano da adolescente universitária livre para a vida ao estilo american pie. Não quero american pie, não quero sexo no banheiro, não quero correr nua pelo campus, não quero ficar de porre nas festas e nem colecionar caras que não conheço. Essas possibilidades só me lembram de tédio e mais tédio. Sono multiplicado por mil. Só multiplicam meu cansaço e minha saudade, o que dificulta em muito a minha ascensão social.

Mas não quero admitir isso, lembra? Quero continuar no meu teatrinho de menina descolada e aproveitar a minha juventude em certas futilidades necessárias. Antes de me tornar chata e romântica de novo, quero experimentar ser chata e jovial pela primeira vez. A verdade é que todo o estilo de vida é chato, por que tenta me limitar de alguma maneira e limites acabam com a minha independência e diminuem a minha inteligência de uma forma grotesca. No fim, sei que acabo sempre atirada na minha cama, olhando nos teus olhos projetados e pensando que te amo mesmo e que a vida é cheia desses dilemas sem importância que vivem me tirando o sono. E que, se tudo é uma questão de tempo, então em breve as coisas vão se ajeitar. E que nada, nada seja em vão.