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sábado, 27 de outubro de 2012

Pac Man e outras coisas

Digo sempre que sei de tudo, mas é que a verdade não me é cabida. Minto sempre pra ver se acho certas certezas que de nada me servem. Escrevo em linhas tortas um destino tão seco quanto as folhas que caem, agora atrasadas, de um outono que já partiu. É que a verdade me assusta e, seja por medo ou covardia, continuo a mentir.

Presunção. Que palavra mais bonita. Será que sou presunçosa? Um pouco de orgulho ali, um ego crescidinho aqui. Longe de mim ter uma confiança exagerada nas minhas capacidades finitas, mas é que a verdade... Bem, a verdade não me é cabida.

Eu caminho no meio dessa multidão de gente conservadora e me sinto nua. Sempre pelada, com o meu nome escrito em vermelho na minha testa. O ser humano tem a grande dificuldade de entender que pode haver algo mais por trás de qualquer crença. O ser humano tá caindo. Deus olha lá de cima e deve ter vergonha. Mas nem mesmo Deus deve saber ao certo sobre o que pensar. Se Ele, mesmo tão inteligente, deu vida a essa raça miserável, que nos resta então? Não quero nem pensar sobre os filhos que não quero ter. Os pobres coitados serão gratos a mim quando perceberem que eu os estou privando de uma existência fadada ao fracasso.

É isso. Não me canso de ver erros nesses cantos redondos do planeta. Japoneses e mulçumanos são todos loucos e errados. Americanos e espanhóis também. Franceses são bonitos, mas vaidosos. Brasileiros são algo a ser estudado. Pessoas são cansativas. Animais são comestíveis. Arvores são descartáveis. O mundo é o cenário do pac man e eu sou o pac man, comendo tudo que eu vejo pela frente. Os fantasmas são os guerreiros da natureza, como raios, vulcões.

Meu humor hoje tá muito estranho. Então se vocês não entendem nada de mundo, de pessoas ou de pac man, ignorem esse texto.

Por que afinal, a verdade não me é cabida.

A Última Prosa

Eu vi o sol nascer ao seu lado, enquanto as minhas certezas migravam para o oriente junto com a escuridão. A respiração que saia do seu nariz era transformada em vapor e voava pra junto da minha. Uma união bonita de se ver, aquela que aconteceu com as nossas cotas de oxigênio. Mas você não percebia. Você olhava pra frente, encantado com o dia que amanhecia. E eu olhava pra você, encantada com o encantamento que você sentia. Amanhã eu te esqueço de novo, e a luta contra tudo isso recomeça. Sim eu também acho estranho, eu queria ter dito, mas enquanto o dia não amanhecer, me deixa te amar só mais um pouco. Enquanto me obrigo a esquecer que ainda te amo.

Foi a primeira vez em muito tempo que eu não lutei contra você. Deixei que meus sentimentos me levassem como o fluxo da maré, de uma forma serena e tranquila. Deixei de lado todos aqueles meses de conflitos internos e externos, todos aqueles anos de ódio que jurei. De repente, todas aquelas minhas manias de me prender no ressentimento se foram. Minhas promessas morriam de acordo com o meu amor que, na hora, ressurgia das cinzas. E eu o senti em todo o esplendor. Eu te senti com todo o seu esplendor. Eu deixei que você pegasse na minha mão e me desse certa segurança enquanto caminhávamos nos becos escuros de madrugada. Você, como antigamente, me fez esquecer de todos os motivos que eu defendia com tanto ardor pra me manter distante. Naquela noite, eu me apaixonei de novo, mesmo sem querer.

Honestamente, eu não sei o que vi nesses teus olhos fugidios ou nessa tua risada forçada. Eu não sei por que, depois de todo esse tempo, eu voltei logo pro único cara que eu prometi que nunca voltaria. Nunca vou entender por que vivo repetindo meus erros ou sentindo saudades que já não existem. E, de novo, você vira poesia. Mesmo que a nossa prosa já tenha terminado, você continua virando poesia. Você me olhou surpreso quando eu disse, pela milésima vez, que te amava. Você me segurou mais firme no braço quando eu, na minha tontura alcoolica, quase caí no meio da festa escura. Você me salvou de ser ridícula e me condenou a ser romântica, errônea, patética. Você, por todos esses meses, já é o morto-vivo do meu romance predileto. Você morre por três meses e levanta por dois dias. Eu te esqueço por seis meses e te amo por uma noite. E, ainda assim, continua virando poesia.

Você achou graça da minha saudade quando eu te implorei permanência fixa na minha vida. Você disse que ficaria e eu te beijei, por que vi sinceridade nesses olhos fugidios. Eu nunca vou entender, de verdade, por que te amo tanto. Nunca vou entender por que essas coisas acontecem na vida da gente. Por que você caiu como um raio abrupto na minha vida e me salvou enquanto fazia o papel de anjo. E eu amava achar que você era o meu anjo. E eu continuei amando, quando percebi que também era um dos meus demônios. Você foi o bálsamo e o veneno. Foi a vida e a morte. Foi o amor e o ódio. Você foi tudo, menos indiferença. Você é tudo e ao mesmo tempo é nada.

Eu vi o sol nascer ao seu lado. E você achou graça quando eu disse que no dia seguinte pareceria um sonho. Mas é que agora, parece. A verdade, é que eu não suportei essa coisa de fixar a sua presença. Não parecia certo. Eu escrevi um livro sobre você. Eu escrevi um capitulo inteiro sobre a sua petulância. E, naquela noite, eu escrevi um conto sobre o quanto eu te amava. Mas, hoje, você virou prosa, só pra não ser poesia. Por que prosas não tem rimas, nem enrolações, nem felicidade, nem filosofia, nem amor, nem nada. Prosa é o texto seco que o escritor exprime o epílogo de uma constatação. E você, mais do que um prólogo, agora também é um epílogo. Um epílogo sobre aquilo que eu pensei que seria e agora não é. Eu não suportei saber que você ficaria. Você me ofereceu permanência quando já não havia nada fixado. Não havia base, nem cimento, nem colas, nem sentimento, nem nada que nos unisse. Apenas um amor surrado e um livro grosso cheio de contos e poesias que eu escrevi sobre você. E, talvez, você seja minha obsessão. E nada disso é saudável. Demônio, obsessão, droga.

Mas você, e admito, eu também, nunca vamos entender ao certo o que aconteceu. Por que tinha tanto sentimento e tanto erro? Tanto amor e tanto ódio? Tanto perdão e tanta mágoa? Tanto abraço e tanta ofensa? Eu nunca vou entender. Mas não é preciso ser muito inteligente pra perceber que é autodestrutivo. Então, só dessa vez, pra ficar tudo justo, quem fechou o livro fui eu. Joguei toda essa papelada embaixo do tapete e saí correndo pra não ver a tragédia recomeçar. Eu achei que, talvez, você quisesse entender. Mas sei que não vai, por que eu também não entendo.

Eu amei você como um conto de amor do Mário Quintana. Todo fofo e cheio de borboletas. E agora esqueço esse amor com uma prosa ao estilo eu, todo cheio de erros e inexperiência. Mas, no final, foi assim que eu e você fomos felizes para sempre. Cada um para o seu lado.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A visão

Sinto o planeta pulsando, como o coração incontrolável que bate penosamente. A libertação furiosa que origina o atrito de milhões de partículas, tão pequenas que chegam a ser invisíveis para esses meus olhos de humana. Humana, essa espécie estagnada, que me condena a uma vida de cegueira passiva. Considerar-me-iam doida, por alegar sentir, com a alma, coisas que não se pode ver? Sinto medo de enlouquecer sozinha. Medo de, em meio aos meus delírios, acabar sendo escrava de minhas próprias fantasias.

Eles não me escutam. Sei bem disso. Sei também, embora me doa, que me trairão se assim for necessário. São todos céticos e tolos, condenados à ilusão que sua cegueira projeta de forma tão segura e inquestionável. São cheios de certeza, esses homens da era da tecnológica. Possuem, creio eu, um DNA repleto de equações e fórmulas matemáticas. Não são mais homens, são máquinas feitas para repetir. Alguns possuem comandos diversos, outros se acreditam livres dentro da sua alienação doentia. São felizes, os coitados. Para mim não passam de robôs. Ovelhas que caminham cabisbaixas para o abate.

Minhas críticas de nada valem, sou apenas a coitada enrolada em uma camisa de força para não ferir os outros com minha agressividade patológica. Eles não me escutam, sei disso. E de novo direi: Todos vão morrer, antes mesmo de entrarem para dentro de um caixão. Sei disso. Todos esses deuses da modernidade irão para o Olimpo e destruirão suas próprias imagens. São loucos, todos eles. Loucos e mortos.

sábado, 6 de outubro de 2012

O convite

As gotas douradas caíam em cima do meu couro cabeludo, de um modo dolorido, forte, cruel. A percepção crua de verdades não percebidas estava sendo forçada pra dentro de mim, tomando conta da minha circulação sanguínea. Como não percebi isso antes? Eu teria lutado por você. Mas, certamente, nunca teria bastado.

O convite requintado e brilhante estava trêmulo e quente na minha mão, agora gelada. O choque percorria meu corpo, um monstro urrava por libertação dentro do meu estômago. O enjoo se propagava à medida que eu relia as palavras bonitas em sépia.

"Você está cordialmente instaurado a comparecer, no dia 27 de outubro de 2012 à celebração matrimonial de Magnus Muller e Elenita Rodriguez, etc...".

Não podia mais. Não conseguia. Meu café da manhã parecia gritar nas paredes da minha garganta, lutando por sair. Peguei alguns comprimidos do meu Dramin e engoli a seco, não me importando com o atrito incomodo que se instalava garganta a baixo. Aliás, nada mais fazia o mínimo sentido. Tudo bem, eu entendo que depois de um tempo do término de um relacionamento o rumo natural da coisa é procurar alguém pra nos fazer esquecer. Ah, eu bem sabia disso. O bom mesmo é sair, aproveitar a vida recheada de possibilidades. Ter relações fugazes e tão profundas quanto um pires. Tudo bem. Tudo bem mesmo, pois eu também fiz isso. Mas casar? Casar parecia demais. Demais pro que os meus nervos podiam suportar.

Aquele convite dourado representava o fim de um era, o apocalipse das minhas esperanças mais vergonhosas, o crepúsculo dos meus dias de profundo aguardo. Eu não estava chorando por ele. Não, não mesmo. Eu estava chorando, percebi, pela morte de uma parte de mim que ainda o amava. Não era apenas um convite, era uma arma letal, uma bala de chumbo perfurando cada centímetro de uma alma criada especialmente para espera-lo. Como isso tinha acontecido afinal? Se eu não tivesse ido embora, ele teria lutado por mim. Certo? Agora posso ver com clareza que nunca houve reciprocidade. Meu pretérito jamais se importara. E, se houve alguma espécie de reconhecimento, ele fez muito bem o papel de indiferente. Mas casar, meu amor? Casar? Não, isso não parecia certo. O que eu estava esperando, afinal? Que as coisas se resolvessem da noite pro dia, depois de cinco anos?

O relógio ainda estava retumbando num tiquetaquiar irritante, vindo da cozinha. Agora, a clareza se tornava mais nítida. Ele nunca lutara por mim. Sempre fora eu, a guerreira impassível. A que teria virado o mundo de cabeça pra baixo por ele. Mas e ele? Ele ia casar. Ele ia casar com alguma sonsa que não se importava nem metade do quanto eu tinha me importado. Com uma dessas aí que talvez nem o amasse. E não me venham com contradições, por que eu estou muito bem com todo o meu choque e raiva. Ela nunca vai amá-lo e pronto. Esse é o meu conforto. Ele não vai ser feliz, por que não serei eu. Simples. Entende? Ele não vai ser feliz. Grande casamento de merda, eu também sabia fazer convites dourados e alegres como aquele. Claro que eu sabia. E um dia ainda ia fazer e ia carregar o nome de algum cara incrível e maluco que me amasse como a sonsinha la nunca o amaria.

As imagens voavam soltas pelo meu quarto, agora parecendo absurdamente solitário. Lá estávamos nós, apaixonados. Vinte e tantos anos e muitos sonhos. Vinte e tantos anos e muitos hormônios. Era incrível e lindo e eu te amava. Eu jurei que sempre te amaria. Eu larguei tudo pra ficar do teu lado. Tu largou tudo pra ficar do meu lado. Nós éramos como aqueles casais apaixonados dos filmes que fugiam juntos e ficavam felizes e lindos para sempre. Olha que ironia, agora eu rio com escárnio pra aquela cabecinha de vento com os dreads na cabeça. Ta achando o que minha filha, que ele vai casar contigo? Não, ele vai casar com outra e ainda vai te convidar. É isso aí. A gente ama tanto que um dia acaba e se torna casamento alheio.

Claro, qual futuro eu esperava? Não haveria. Tudo que houve foi uma barriga grande e uma filha linda, só isso. Tudo o que houve foi um elo de ossos e carne que nos prende pra sempre, ainda que não tenhamos vontade. Lá estou eu, com meus vinte e tantos quase trinta anos, com as malas na mão e a criança na outra, cheia de coragem e dor, carregando anos de uma prisão domiciliar nas costas. Lá está você, inerte. Eu saio pela porta, morrendo de vontade de ouvir você me pedindo pra ficar. Eu saio pela porta e me decepciono quando não sinto seus braços fortes me segurando e impondo nosso futuro. Lá está você, apenas observando, de longe. Anos de promessas e tudo que eu posso ver na sua força e na sua masculinidade é uma irônica impotência. Anos de amor e tudo que eu posso sentir é uma solidão esmagadora. A gente segue em frente, eu segui em frente. É só isso que se tem pra fazer: seguir em frente.

Você nunca me pediu pra ficar, nunca me telefonou, nunca se lamentou. Você só ligou de vez em quando, quando batia uma certa tristeza na vida. Só lembrou de mim quando sua vida cheia de trabalhos e mulheres te dava uma folga e precisava de alguém que te puxasse pra realidade. Você sempre precisou de alguém que desse um impulso, de alguém que sentisse mais do que você poderia imaginar ser possível sentir, de alguém que te ouvisse chorar e ainda assim te achasse sexy. E sempre fui eu. Mas, por algum motivo, você nunca lutou por mim. Você simplesmente fechou a casa, pegou suas malas e foi pro norte enquanto eu rumava, despedaçada, para o sul. Você vai casar e eu ainda te amo. Mas você nunca lutou por mim.

Eu teria lutado por você. Mas certamente, nunca teria bastado.

Boca-da-Noite

Meu horário preferido de todos os horários do mundo. Os cheiros mudam, o clima esfria, o sol se põe. O céu dá lugar ao azul claro, escurecendo gradativamente. Crepúsculo. Esse era o nome alternativo para o horário que me engole pernas a fora. O espaço de tempo em que tudo parecer ser possível, como que por mágica.

Tenho pra mim que, é quando o sol se põe, que as fadas cantam em uníssono, agradecendo pelo dia que tiveram. Vampiros fogem à espreita, aguardando o melhor momento para sair de suas tocas. Asas de anjos batem num canto dourado de adoração ao sol que se deita sob o horizonte. As trevas que ressurgem da madrugada anterior, tapam-me até os ouvidos com sua energia revitalizada.

Debruço-me sobre as grades de ferro que impuseram no cais do porto. No horizonte, águas escuras agitam-se, furiosas. Venta. E o vento, assim como o poente, ajuda-me a discernir o real do incerto. Um dos meus lugares preferidos no mundo. Um dos únicos lugares capazes de me fazer retornar à essência de mim mesma. Há um silencio reconfortante naquele lugar, de forma que apenas um fraco zumbido penetra nos seus limites sonoros. Os zumbidos são os barulhos agitados e confusos da cidade.

Lá, a poluição era transformada em poesia. Lá, a realidade estava caindo, em fragmentos de uma dor imperceptível. Devo ser eu que insisto em perceber beleza onde só existem trevas, mas que mal pode haver nisso? A magia que embala o crepúsculo dos meus dias é tão pesada que posso senti-la caindo sobre mim. Algumas gotas caem do céu, a chuva de verão banha minhas ideias, amedronta meus medos.

É o crepúsculo, sempre belo.

É a Terra que me embala nos seus braços, quando o sol migra para o oriente.


 


 


 

Seis da manhã

São seis horas da manhã e eu ainda estou procurando um único motivo lógico para continuar pagando por isso. Sempre me arrependo de ir em festas, mas por algum motivo, acabo sempre voltando. É como um ciclo vicioso. Sempre tem um banner, uma promoção, uma amiga, um minuto de tédio que seja, que me convence a voltar. E então eu volto, toda empolgada. Me arrumo toda, passo o meu melhor delineador, me esforçando pra ter um efeito bem descolado e enfio na minha cabeça milhões de ideias pra fazer a noite valer a pena. Encho meu peito, pego meu cartão de crédito e vou. Vou mesmo, bem feliz ir fazer festa. Daí, tudo bem. Chego lá, é tudo super mágico e bonito. Eu fico encarando todo mundo pra mostrar como sei me maquiar direitinho, esperando alguma espécie de reconhecimento que jamais virá. E aí vem a minha primeira decepção: ninguém reconhece o nosso esforço em ficar apresentável. Apresentável pra quem? Festas não são pra isso, Sara. Festas não são pra isso.

Dou mais uma volta, com o coração explodindo dentro do peito e o tédio aumentando. São sempre as mesmas músicas, os mesmos caras com suas máscaras esnobes. São sempre os mesmos grupos sociais em subcategorias, as mesmas garotas com pele de porcelana que ficam tão bem de batom vermelho. Eu nunca fico bem de batom vermelho, nunca tenho um grupo de amigas que curtem um som indie e não tenho vontade de beijar nenhum bonitinho esnobe. Mas não posso me lembrar disso. Que tipo de garota descolada eu vou ser enquanto ir em festas for me fazer tamanho mal? Não, não, não. Ô amigo, me vê uma dose de tequila aí. Ô parceiro, me vê outra dose aí. Ô chuchuzinho, me trás tudo que tu tiver aí.

Essa sou eu, a grande quase escritora com milhões de trabalhos da universidade atrasados e muito álcool no organismo para entorpecer minhas ideias esquerdistas. A que se diz revolucionária e diferente, mas no fundo, também esconde uma princesinha fútil que adora se lamentar sobre a vida e esperar ansiosamente pelo idiota a cavalo que vai vir bancar o super herói. Bla, bla, bla. De repente, indie é a minha música preferida. O cara esnobe com o sobretudo parece ser lindo e eu nunca quis tanto algo na vida quanto eu quero me aproximar dele. Acabo de conseguir um grupinho de amiguinhas indies, que me emprestam seus batons vermelhos de todos os tons e rimos, radiantes, de frente para o espelho do banheiro. Eu estou tão bonita com esse vermelho prostituta que nem me importo se meu decote caiu consideravelmente para baixo. Minhas amigas me amam, e os bonitinhos prepotentes também. É a vida dos sonhos.

Até que a música começa a ficar repetitiva, os caras começam a ir embora, as amigas somem de vista e eu fico atirada em um canto escuro observando o rodopiar lento das luzinhas coloridas. Todas elas batendo contra a parede preta, refletindo meu sorriso desnorteado. Alguém bate no meu braço, tentando me puxar para a realidade. Não sei quem é, no momento estou chorando. Um rio de lágrimas silenciosas inunda minha garganta dolorida. Cadê meus cavalheiros das trevas? Cadê meus príncipes inalcançáveis? Eles também somem. Tudo nesse lugar parece ter data de validade, tudo se esvai em um tempo determinado. É como nascer e morrer numa noite só.

E, agora, eu estou escrevendo sobre o meu velório. E ele está cheio de luzinhas vermelhas, que iluminam minha palidez mórbida. Mas o que mais eu poderia dizer? Essa sou eu. Uma contradição com pernas. Aquela que se inspira com qualquer mera oportunidade de felicidade que se esvaia no segundo seguinte. Não sou do tipo que sonha com o para sempre. Sou mais daquela que se agarra em qualquer resquício de fugacidade, apenas para poder ter sobre o que escrever depois. Aquela que o nunca se encaixa perfeitamente bem atrás do "foram felizes".

Sou uma personagem criada para mim mesma, suportando todas as falhas de se ser humana. São seis horas e trinta e cinco minutos da manhã. Junto os cacos da minha dignidade e deixo oitenta e cinco reais no balcão. Um número justo, depois de todas as doses. Abro a porta vermelha, aceno um tchau rápido para o segurança que me observa com intimidade e saio para o raiar do sol que já não combina mais com a minha saia preta rendada. O brilho da minha blusa cinza não se encaixa no amanhecer alaranjado de Porto Alegre. Mas tudo bem. Logo estarei em casa e tudo não terá passado de mais uma noite conturbada com pesadelos e caras bonitos. Nada com o que se preocupar. Afinal, amanhã tem mais e nada poderá ser nunca lembrado, por que a noite não existe para aqueles que não acreditam no para sempre.


 

Pausa para a Lamentação

Tá, vou ser sincera. Me dói. Tantas coisas me doem, que eu não tenho coragem de falar. Mas não quero escrever de novo sobre coisas que eu queria fazer nem sobre como eu sou uma pessoa diferente e fria e isso me assusta. Não, não dessa vez.

Me dói saber que tudo saiu do meu controle. Que eu não dependo mais inteiramente de mim, mas de qualquer pessoa que tenha um bom coração e um pouco de boa vontade. Que tive que aprender a ser de gelo na marra. Que te amei demais e não soube o que fazer com tanto sentimento e na minha ignorância, te perdi. Me dói ter que aceitar só tenho um pé pra me suportar no mundo. Me dói ver tanta coisa errada no mundo e criticar todas essas mesmíssimas coisas erradas e ter que ver cada uma dessas coisas batendo na minha cara pra que eu aprenda a ser mais compreensiva. Me dói olhar pra parede do meu quarto e não ver nada além de uma parede, por que a desilusão tomou o lugar da esperança. Me dói ver teorias de tantas e tantas coisas e tanto conhecimento sendo distribuído e ter tão pouco tempo de aprender tudo. Me dói ter que erguer o queixo e saber que isso não afeta em nada o mundo lá fora e seguir sozinha, por que a vida é minha e o problema é meu. Me dói ter de ser tão individualista, mas se eu não for, acabarei indo pro abate como todos os outros bons seres. Me dói ter perdido a vontade, ainda que temporariamente, de lutar. Me dói admitir tudo isso e sentir toda a dor e todo o nada do mundo e ainda assim ter um resquício de esperança. Dói tudo, mas não dói mais nada também.

E toda minha dor existencial é tão mesquinha, patética, individualista e egocêntrica que ninguém precisa se preocupar com isso. Por que o problema é unicamente meu e a vida é unicamente minha. Então, que tal se fizermos exatamente o que somos ensinados a fazer? Cada um na sua, e todos que se fodam. Amém.

Acreditar

Vou me entupir de água, tentando me convencer de que é gim. Vou cantar todas as músicas do meu Windows media player, tentando me convencer de que estou em um lugar cheio de pessoas bêbadas e músicas gritantes. Vou flertar com todos os caras do chat do uol e do terra e de sites duvidosos, tentando me convencer de que sou irresistível e ninguém escapa do meu charme. Vou matar zumbis no meu vídeo game, tentando me convencer de que sou uma heroína épica em um planeta apocalíptico. Vou chorar por todas as pessoas que eu perdi, tentando me convencer de que sinto falta delas. Vou escrever textos estúpidos no meu caderno velho, tentando me convencer de que um dia serão úteis para alguma mulher triste que procura respostas para seus sentimentos patéticos em um livro de autoajuda. Vou tomar banho de água gelada, tentando me convencer de que assim poderei tirar todos os meus problemas junto com a sujeira do meu corpo. Vou dizer "eu te amo" diversas vezes, tentando acreditar que realmente sinto algo que há muito se fora em mim. Vou me arrepender, tentando me convencer de que realmente me arrependo. E, por fim, vou dormir mais uma vez tentando me convencer de que amanhã tudo vai estar bem e meus pés vão encontrar o chão novamente e minha vida será incrível, por que um dia ela já foi incrível e pode ser assim de novo e de novo e quantas vezes eu quiser, desde que me convença disso. Nem que seja apenas mais uma vez.

Fogo e Pólvora

Eu te amo. Mas eu não sinto mais isso. Ta, desculpa, eu deveria ter explicado antes de dizer isso tão diretamente, mas as coisas são assim. Eu... não sei mais como explicar tudo isso. Numa hora eu estou criando diversos devaneios sobre nosso possível futuro e na outra eu estou questionando a minha capacidade de acreditar em um futuro que provavelmente não vai existir. Dizem que o amor nunca deve ser conjugado no passado. Mas isso se for o amor de verdade. Aquele que nada derruba, nada questiona. E o nosso amor? Ah cara, nosso amor foi muito questionado e muito derrubado diversas vezes. Teve desconfiança e discussões por muito tempo. E mesmo assim, era amor. E se o que eu to pensando vai realmente acontecer, então eu continuo dizendo que era e é amor.

Eu não te amei, eu te amo. Agora e sempre. Não da mesma forma, até porque eu acredito que não amamos as pessoas do mesmo jeito e também por que o sentimento é uma coisa que nunca acaba, apenas se altera, mas definitivamente continua sendo amor. Vai, pode dizer que são pensamentos clichês, que são frases retiradas de algum livro. Mas eu não me importo. Por que é verdade. Eu não sei se o que tu sente por mim é amor ou se era, o que nos leva novamente à questão do ser ou não ser amor verdadeiro. Mas a verdade, aquela que vai ficar nos nossos corações pelo resto da vida, é aquela que somente tu e somente eu saberei. O que se passa por dentro, não por fora. Deixemos de palavras e prestemos atenção nos sentimentos. Eu te amo. Eu te amo. Qual a dificuldade em perceber isso?

É amor. Inegavelmente amor. Irremediavelmente amor. Simplesmente amor. Ironicamente amor. Merecidamente amor. É amor.

Mas não o amor com o qual estávamos acostumados, e sim aquele que sempre tivemos, lá no fundo, disfarçado em nome do desejo e da paixão. Era amor e sempre foi e continua sendo. E isso nos assusta por que nos achávamos incapazes de nos amarmos desse modo, mas não somos. É o amor da confiança, da parceria, da cumplicidade. E o que nos fez ver isso, foi a tentativa falha de alimentarmos nossa sede carnal. Eu deslizando por tuas mãos, e tu se prendendo nas minhas. Furiosos, famintos, malucos, apaixonados, fugazes. Acabamo-nos. Como fogo e pólvora que num beijo se consomem, já dizia Shakespeare. E, já que citei isso, acabo de me lembrar também de que nossas alegrias foram bem violentas. E alegrias violentas, tem finais violentos.

E o final? Acho que já disse.