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sábado, 19 de janeiro de 2013

Warning Sign - Coldplay



Janeiro passa voando como uma sombra escondida em um verão sem personalidade. Seus olhos ainda me assombram, posso senti-los no cheiro úmido, no céu cinzento, no humor vazio. Você ainda existe em mim em uma versão apática do seu sorriso, em uma versão apática da sua alma. Um corpo sem ar ou existência. Uma existência sem corpo ou ar. Você sem você apenas existindo em mim como nunca eu mesma existi antes.

É engraçado. Tudo que não é engraçado, me tira gargalhadas. Então eu atiro pedrinhas no rio, tentando buscar o seu reflexo em uma reunião de ondas que de nada representam. Tenho que te dizer, tem sido difícil. Desde que eu descobri que tinta azul não dura no cabelo eu ando meio desconfiada com o mundo. Desde que eu descobri que já não tem amor eu ando meio sorridente. Perder, de alguma forma, me fez ganhar. Mas perder nunca é bom. Não pra mim, que sou competitiva. Então tenho de te dizer, tem sido difícil.

Não gosto de ficar sozinha, por que tenho a impressão de que a solidão ainda pode me enlouquecer. Não me refiro a solteirice, mas sim a estar comigo mesma por tempo demais. Ficar em casa tem me enlouquecido e tornado as coisas absurdas e insuportáveis. Passo mais tempo com minhas séries do que com meus livros. Meus amores tem se tornado tédio, meus ódios tem se tornado saudade, minhas alegrias tem se tornado indiferença. Talvez eu comece a estudar hoje e já não precise falar com mais ninguém, talvez eu comece a voltar à minha sanidade hoje e já não seja maluca o suficiente pra falar comigo mesma. Talvez isso seja a verdade sobre a existência do homem: Ser sociável apenas quando lhe é conveniente.

Então começo a ouvir música e é como se traduzissem sentimentos que não consigo expressar. Escrever não tem me preenchido, ler não tem me divertido, falar não tem resolvido minhas dores. Prefiro não pensar, enquanto o cotidiano embala meus dias que agora são iguais.

Talvez 24 horas não sejam suficientes.

Talvez eu queira mais.

Talvez eu simplesmente seja uma dessas pessoas que não querem nada.

Irei voltar para a minha rotina, rodando em círculos, festejando enquanto o pânico toma conta das ruas que já não vejo. Há uma guerra lá fora e tudo que podemos fazer é ficarmos preocupados em almoçar. Esse é o meu sinal de alerta, dando falha, acenando tchau para você enquanto eu fujo para longe do meu coração.



domingo, 13 de janeiro de 2013

O Clandestino


Suas coisas estão espalhadas pelo meu quarto desde ontem à noite, quando você desceu pela janela cuidadosamente no meio da madrugada. Desde semana passada, quando você desceu por uma rua deserta do centro no meio de um domingo à tarde pós ano novo e me abraçou como se fosse a primeira vez. Desde ano passado, quando você decidiu pegar esse amontoado de sentimentos que eu me tornei e virou tudo de cabeça para baixo só por curiosidade, só pra mostrar certa superioridade quando lida com o perigo.

Tem coisas suas no meu roupeiro, na minha cama, no meu colchão, nos meus ossos, no meu cabelo, nas minhas roupas, na minha memória, no meu cachorro, na minha cozinha, no meu banheiro, nas minhas unhas do pé.  Meu namorado nem desconfia que suas cuecas estão escondidas de baixo do colchão ou que é o seu sabor que ele prova quando beija minha boca. Aliás, ninguém sabe. Temos um relacionamento lindo e clandestino. Você por si só já é lindo e clandestino e talvez apenas por isso nossas noites desassossegadas já valham alguma coisa.

Tenho medo de virar para o outro lado da cama e não encontrar o cheiro feminino do shampoo da sua mãe no meu travesseiro. De não encontrar pontas espalhadas dos teus cabelos no meio das minhas cutículas erradas, como se esse fosse um prelúdio de tempos difíceis com mais seis meses sem você. Não sei como eu iria lidar com isso, então simplesmente não penso sobre o assunto. Seria muita loucura se eu implorasse pra você ficar comigo, mesmo que não fosse pra sempre? Mesmo que você não fosse ele? Você parece tão certo e tão incompatível comigo ao mesmo tempo. Tão excitante e tão caótico que quase não consigo distinguir de um dia para o outro, como estão os seus milhares de humores.

Gosto do modo como você não se preocupa em ser pego tirando o meu sutiã no meio de uma tarde de quinta-feira dentro do seu escritório. Gosto como seus dedos não tremem, como seus lábios não falham, como sua língua provoca. Gosto da sensação de estar fazendo uma coisa tão errada que parece ser tão impossivelmente correta. E talvez eu não mereça um décimo do que ele sente por mim, talvez eu não seja exatamente a garota dos sonhos do cara perfeito, talvez eu não seja totalmente correta e não tenha devolvido o troco do meu vizinho dono do bar perto da minha casa. Talvez eu seja tão cheia de erros e buracos, tão privada de poder ser má, que não me basto na minha encenação para a perfeição inatingível que ele representa.

E talvez você seja a minha alma gêmea, talvez eu e você tenhamos a relação perfeita para um relacionamento imperfeito e sejamos imperfeitamente lindos juntos. Mas isso são apenas suposições e nem só de suposições vive o homem, já diria uma escritora falida que não lembro o nome. A questão é que eu acho tudo muito correto na nossa insistência em parecermos incorretos. E talvez ele não precise de mim do modo que pensa que precisa. E se eu e você não prestamos, talvez ninguém nunca precise ir embora. Aliás, antes que eu me esqueça, você pode ficar o tempo que quiser.

Por favor, fique.

Aceite meus erros e minha incapacidade em viver com o cara que fuma charutos e ganha milhares em ações de empresas que não conheço. Por favor, fique. Fique e me liberte de ser a namorada perfeita do homem mais entediante do universo. Fique e o condene com a hipocrisia de um amor que nunca existiu além da imagem. Fique, por favor. Fique e coloque algumas cores no meu arco - íris envelhecido, dê algum sentido à minha existência arruinada pelo sucesso.

Meus dias são um conjunto de dezoito horas enervantes que passam lentamente enquanto não ouço o som abafado dos seus passos discretos por trás da minha porta. E então as estrelas explodem lá fora, enquanto o mundo acredita que sou alguém que não quero ser. E então as estrelas explodem aqui dentro, no meio do amontoado vergonhoso no qual me tornei apenas para ser uma dessas garotas que são usadas e jogadas fora. Como essas garotas descartáveis que são extremamente carentes, fúteis e volúveis. Não vejo um pingo de amor nos olhos escuros que me assombram os sonhos mais perversos, mas vejo um desejo inconsciente de estar sempre disposto a quebrar regras.

Você tem todos os seus desejos secretos de menino escondidos no âmago do homem imaturo que eu amo. O menino que ama jogos e desafios, o menino que sai de casa em busca de uma aventura rápida e logo volta pra casa, no conforto das asas da mãe, no conforto do shampoo feminino mais cheiroso do universo.

Dizem que cada um tem o que se acha digno de merecer.

Eu nunca tive o seu amor. Eu nunca tive você homem. Eu nunca tive um décimo do que você tem de mim.

Talvez isso seja apenas a vida sendo exatamente do modo que ela é: Dando de troco a você exatamente o que você dá de volta.



A Sala de Espera


São 5 horas do manhã, segundo o despertador alegre do meu celular. Embalada pelo enjôo matinal e a música que não tem nada a ver com a minha índole (lago chamado "O sol ja raiou"), acordo. Não por que queira, mas por que tive a bondade de me submeter a mais uma intervenção cirúrgica em nome de um corpo que quase se encaixa perfeitamente no padrão perfeccionista de um mundo doentio.

Sim, senhoras e senhores. Eu, a guerreira feminista, a intelectual, a crítica, a inimiga número um dessa prole de Paris Hiltons espalhadas pelo planeta a fora, me submeti a uma intervenção cirúrgica do mais baixo nível. Eu, a mais radical das radicais da histórias das feministas inúteis do mundo inteiro, me submeti à lipoaspiração. Sim, eu sei. Atirem pedras. Chamem-me de hipócrita. Vocês, queridas aliadas, tem toda a razão. Falem o que quiserem, mas a bunda é minha e eu resolvo intervir quando bem me aprouver, sem ofensas. Honestamente, quem estará de cama pelos próximos quinze dias com uma dor terrível nas coxas e 3 caixas de comprimidos para ingerir, sou eu. Então por que não deixamos de ser preconceituosas e resolvemos abrir a cabecinha rebelde para apenas mais um caso excepcional? Tive meus motivos, caras amigas. Acreditem quando digo isso.

E, se, um dia, eu vier a postar um texto sobre como está doendo minhas novas próteses de silicone, mas tive um bom motivo, fechem a janela e me denunciem à polícia, por que certamente estarei enganando a mim mesma e a vocês. Ou, talvez, a prole de Paris tenham me descoberto sozinha e sugado meu cérebro para fazer esmaltes.

Blá, blá, blá... Tudo muito bonito, mas você deve estar se perguntando por que diabos estou eu aqui, de tão boa vontade, compartilhando isso. Veja bem, é que tive um aprendizado muito importante na minha vida e creio que talvez você possa aproveitá-lo par a sua também. Ao invés de reclamar, tente agradecer ao meu altruísmo.

Aliás, o que seria de você se não fosse pela minha existência fabulosa e inesquecível?

Visto minhas sapatilhas novinhas em folha e calço meu velho vestido branco. Tudo ao contrário mesmo, por que quero ser bem realista quanto ao estado de espírito que eu estava no momento, então não me corrijam. Sim, visto meu vestido novo e minhas sapatilhas velhas, deixando as imperfeições expostas. Dou, pra quem vê de fora, a impressão de inocência corrompida. Dou, pra quem sabe de dentro, a impressão de sono interrompido.

Simples assim.

Toda a complexidade do ser humano está inserida na ignorância do próximo quanto à sua insignificância. Uns chamam isso de grandeza, de admiração. Outros, de ponto de vista. Eu chamo de ilusão pura. Uma triste percepção platônica de cada erro escondido por trás de uma imagem composta, unicamente, por modos de ações propositalmente previsíveis. Em outras palavras, eu sou tão patética que chego a chamar a atenção na mente alheia por uma simples anormalidade fora dos confins da percepção do que deveria ser esperado.

Talvez as pessoas pensem, de primeira linha, que sou alguma espécie de evolução de ser humano para máquina. Algo entre uma menina e um Transformer. Não que eu esteja aderindo aos métodos “[1]coitadismianos”, mas preciso assumir uma posição alheia a mim mesma para que o leitor entenda o que de fato quero dizer. Vocês já devem estar carecas de saber que uso uma prótese na perna, uma substituta de ferro para a minha (que descanse em paz) velha amiga já não presente.

E, bom, é inevitável que a minha anormalidade seja o motivo de conversa principal nas rodinhas de amigos que ficam por perto de qualquer lugar que eu passe. Inclusive se for uma rodinha de nobres senhoras desconhecidas, habitantes de um planeta novo chamado “Coitadinópolis[2]”, onde se reúnem, na sala de espera do hospital, para compartilhar entre si os motivos de suas tristezas e dores mais mórbidas.

Até, que então, como caída do céu diretamente no meio daquela união divina de pobres coitadas, caio eu. A jovial rainha das coitadas. E que me perdoem os sentimentais, mas frieza é fundamental! Nunca vi tantos olhos esbugalhados e mareados em minha direção ao mesmo tempo. As infelizes me observavam quase como se eu fosse a resposta de Deus para suas preces não escutadas.

- Tão novinha!

- Pobrezinha!

- Mas caminha tão bem!

- Se não tivesse de vestido, nem teria visto.

- Mas a perna quebrou mesmo ou vai dar pra consertar?

Tudo bem, tenho que admitir que achei a última fala muito engraçada e somente por respeito à minha inocente mãe não deixei escapulir uma piada sarcástica se quer. Sou o polimento em pessoa quando se trata de educação em hospitais. Ou de educação perto de mães. Não tanto com a minha, mas a gente faz o que pode. E também por que eu prezo pela existência de esperança no próximo, então disse que sim. Que iria dar pra consertar a minha perna, e o ferro que tinham colocado no lugar era só provisório. Aposto que, secretamente, aquela mulher se sentiu mais aliviada ao saber disso. Talvez eu mesma no seu lugar, também me sentiria.

O problema é que, passada a hora de lesbianismo puro e muita melação para deixar minha autoestima inflada feito um balão preenchido a hélio, elas voltaram aos seus próprios problemas.

- Pois meu filho, meu pobre filho, recebeu cinco tiros. Já perdi um, vou perder o outro também.

- Por que Deus vai me ajudar, somos de Deus, todas nós. A Igreja que é a casa do senhor, há de nos dar espaço para os seus milagres.

- Sim, sim, menininha. Deus tem um plano especial na tua vida.

- Por que a vida é assim mesmo, a menina perdeu a perna mas ta vivinha. Imagina se não tivesse mais aí? Antes uma só do que morta.

Pausa para os sorrisos reconfortantes e a ignorância disfarçada em tons de voz aveludados.

- Como aconteceu?

Como que excluída do círculo de coitadismo, uma mulher robusta, com duas bolsas enormes em baixo dos olhos, parecia ser a única com certa dose de sanidade completa ali. Sorria para mim com sinceridade e dentes amarelos. Parecia bem resolvida, até mesmo interessada muito mais na história do que na dor que eu deveria sentir. Senti que uma simpatia se expandia entre nós.

- Um caminhão vermelho, ano passado...

A mesma história de sempre. A mesma tagarelice sobre tragédias, recuperações, pessoas, eu. Sempre falando de mim como se merecesse algum crédito por ser atropelada, como se tivesse sido um grande feito histórico no meio do rumo interplanetário e isso mudasse todo o destino da humanidade. Quando escrevo isso, posso perceber o nível da minha insignificância de fato.

Não sou tudo isso. Qualquer um pode ser atropelado a qualquer momento. Qualquer um poder perder a perna e isso é algo com o qual temos que aprender a conviver. A morte e a tragédia andam à espreita, sempre esperando pelo melhor momento, pelo menor deslize, pra te agarrar de jeito naquelas garras maldosas. E não há posição social, fama, dinheiro ou amor que te salve: é só você contra você mesmo. É só você, traumatizado e perplexo tentando achar o caminho de volta pra casa enquanto as portas do mundo parecem se fechar e Deus se torna um monstro que se diverte às suas custas. Você se sente traído, excluído, errado. Como se nunca devesse ter nascido.

Você começa a pensar que teria sido melhor se tivesse morrido, por que assim ninguém sofreria, ninguém te olharia com dor ou compaixão. Ninguém teria de lidar com suas necessidades como se você fosse um nada, um vegetal, um peso com o qual lidar.

E então, sim. Admito que nos primeiros momentos, depois de ouvir de todo mundo que você é um sobrevivente, um herói, um x-men por ter sobrevivido à morte, por ter enfrentado a dor tão de perto, você passa de excluído amargurado para o rei dos prepotentes. Você acha mesmo que é um herói, um movedor de multidões, a versão 2.0 de Jesus vinda diretamente dos céus para abrir as mentes alheias com a sua sabedoria e poderes divinos.

E você perde a humildade e passa a se sentir muito importante, começa a se ver no direito de puxar briga, fazer chantagem emocional, chorar quando a roupa fica com um espaço não preenchido. Você se acha um coitado digno de direitos e atenções especiais, mesmo quando anda por aí gritando aos quatro ventos que é igual a todo mundo. Você se sente ofendido quando percebe que as outras pessoas são felizes e grandiosas sem serem tachadas de aleijadas como você agora é e começa a pensar que tudo é uma grande injustiça. Que todos mereciam passar pelo que você passou, que todos deveriam saber como é. Você põe a culpa nos outros, você os inveja, os odeia, os persegue. Você se torna um monstro, um pesadelo. Você quer se fechar pra sempre dentro de um buraco e ficar gritando verdades lá de dentro, pra que todo mundo saiba o quanto são estúpidos e horrorosos com seus corpos perfeitos e vidas felizes.

Simplesmente não parece certo que somente você passe por isso.

Até que, um belo dia, as pessoas se cansam de te tratar como um merecedor de atenção, como um coitado. Até que a realidade vem e te obriga a se levantar com certa dignidade, sem essa história preferencial. E então você encontra a si mesmo e se odeia. E então faz as pazes e, talvez aí, descubra que não é só você. As pessoas não são perfeitas, não importa o quão inteiros seus corpos estejam, o quão recheadas suas contas bancárias sejam, o quão beijados seus lábios são.

Cada um tem seus próprios defeitos, seus próprios problemas e aprendizados com os quais lidar. E as pessoas tem o terrível hábito de viverem comparando suas vidas umas com as outras. Se perguntando por que não podem ser iguais, por que não poderia ser diferente, por que Deus foi tão mau. As pessoas tem o terrível hábito de enxergar nos outros o que elas deveriam fazer consigo mesmas.

Pessoas pequenas invejam as grandes por que não sabem como chegarem lá sozinhas e sentem-se traídas pelo destino. Não buscam a evolução, nem a felicidade, nem o dinheiro, nem a paz, nem o amor, nem droga nenhuma por si mesmas: Apenas observam enquanto os outros fazem por si mesmos com muita competência.  Pessoas pequenas se acham incapazes e sozinhas e burras. Mas ao mesmo tempo, se acham no poder de julgar o que é certo ou não para os outros e por isso invejam. Invejam o que não podem conquistar, então se prendem na sua própria insignificância.

E tudo isso eu percebo quando simplesmente falo sobre o assunto para alguém. Sobre o meu acidente. Sobre o inferno da minha vida que me possibilitou enxergar as coisas de outra maneira. Sobre eu ter sido invejosa e cruel e terrível com tantas pessoas que quiseram o meu bem. A gente só se dá conta dessas coisas, só se dá ao direito de sofrer uma epifania dessas, depois de levar uma boas bofetadas na cara pela vida. Sim, a vida. Essa criatura que não tem corpo, nem cor, nem personalidade, nem existência fixa, mas é a culpada pela minha queda e pela minha ressurreição. A vida. Essa que é como uma estrada com uma via única só de ida. A vida, Deus, Destino. Chame como você quiser, mas foi a vida que colocou aquela mulher às seis e tantas da manhã de uma sexta-feira a sala de esperas para que eu pudesse escrever esse texto.

Foi aquela mulher que, com seu sorriso fácil, sua voz sincera e seus olhos profundos, me contou a história de sua vida em poucos minutos. Em como o funeral de sua mãe tinha sido há apenas 3 dias atrás. Sobre como tinha perdido seu pai, seus irmãos, seus primos. Detalhes sobre como um pastor respeitável de uma igreja evangélica tinha assassinado seu irmão, alegando ser exorcismo, arrancando-lhe as orelhas, o nariz, os testículos e, logo em seguida, deixando pelas paredes da casa escritos bíblicos de salvação.  

Sobre como sua família parecia amaldiçoada, com uma morte por mês para se pôr no calendário. Com velórios sendo o principal evento de encontro dos domingos. Sobre como, mesmo assim, ela tinha aprendido a conviver com a queda, com a perda e com a tristeza e achou certa coerência no meio de tudo. Sobre como meu vestido combinava muito bem com a minha prótese e eu tinha o poder incrível de tocar as pessoas apenas caminhando por aí.

Sobre como poderíamos ser grandiosos se quiséssemos, a qualquer momento, apenas agindo certo quando a oportunidade surgir.

Naquela manhã, senti que uma luz tinha sido provocada dentro de mim. Pude ver toda essa história de individualismo pode nos levar diretamente ao fracasso por pura falta de percepção. Deus, vida, Destino. Não sei. Alguma coisa me tocou e fez com que a lipoaspiração saísse muito bem, a propósito.
Por isso hoje, eu, com os quadris e as coxas muito melhor delineadas por profissionais muito competentes, posso lhe dizer que sou uma menina diferente. Não por que me sinta mais próxima da perfeição inatingível, mas por que sinto-me mais humana. Nada que um bisturi e uma dor excruciante não nos ensine. Nada que uma pessoa simples em um consultório não desperte.

Às vezes sinto certo medo de viver, como se tocar demais na vida doesse. Como se eu fosse morrer a qualquer minuto e não tenha feito absolutamente nada de importante nesse mundo. Mas daí lembro de pessoas que já me tocaram, de pessoas que sofrem e lutam todos os dias por um futuro melhor. E sinto mais medo ainda. Medo de que se percam para sempre e nunca tenham a oportunidade de serem grandes ou exemplares. Que nunca brilhem como deveriam.

E, mesmo assim, em dias como esses, acordo acreditando que todas elas possam ser excepcional e grandiosamente felizes.




[1] Coitadismianos: Palavra criada pela autora para dirigir-se ao hábito de sentir-se uma coitada. Uma imersão ao modo de vida do coitadismo, sentir pena de si mesmo. Sentir-se, constantemente um coitado.
[2] Coitadinópolis: Nome fictício criado pela autora para tratar de um suposto “planeta” habitado por coitados. 

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Aquilo que pode ser Amor


Me pergunto se felicidade é acordar e encontrar seus olhos, todos os dias, absorvendo minha vida pacata de uma forma tão bonita que chega a doer. Me prendo nessas rochas castanhas que se movem em círculos quando você não percebe. Meus desenhos servem apenas como esboços das cicatrizes negras que emolduram sua íris avermelhada. E acho, lá no fundo da minha alma, que isso pode ser amor.

Que nome posso dar a essa sensação? Esse sopro quente que me envolve os órgãos a dentro, de súbito, violenta e suavemente, movimentando cada partícula de cada célula da minha vida, de mim.

Você é lindo quando boceja alto às onze da manhã como se fosse quatro da madrugada. Você é lindo quando canta Slipknot enquanto lava a louça ou arruma minha cama. Você é lindo quando me repreende, quando me chama de mimada e sacode meus ombros caídos até que eu perceba os contornos reais da vida como ela é e não como a minha fantasia quer que seja. Você é lindo quando se concentra em cozinhar , quando se concentra em polvilhar, quando se concentra em ser lindo para poder se concentrar. Você é lindo quando faz caretas, quando olha distante e pensa nas suas besteiras de menino, quando olha pra baixo e sofre com os seus problemas de homem. Você é lindo quando fala em casamento, quando fala em filhos, quando fala em fugir pra Romênia e viver de bife de soja.

Eu não sei, mas acho que isso pode ser amor.

Eu não sei o que pensar sobre caras que demonstram demais os sentimentos, mas você faz tudo isso parecer certo. Você apenas sendo você com suas caretas, seu cabelo bagunçado, seus dentes pequenos, seu hálito adocicado. Você sendo você, um completo babaca. O babaca mais lindo e brega que eu já vi na vida. E eu sendo apenas eu, amando você como se fosse a coisa mais certa a se fazer no planeta. E, ainda assim, achando que a vida pode parecer linda e certa às vezes. Até quando falta luz e eu fico inventando medos bobos no escuro e você segura minha mão pra não deixar que os poetas mortos me carreguem aos seus túmulos. Até quando acordo com vontade de brigar com o mundo, de odiar a família, de matar cachorrinhos que são pequenos e latem com a voz aguda. Até nesses dias você consegue ser lindo e babaca e totalmente responsável para colocar alguma dose de equilíbrio no meu cérebro rebelde e incontrolável.

Quando eu era pequena, mamãe dizia que homem não prestava. Que eu seria boba se deixasse algum se aproximar de verdade e acabasse correspondendo o sentimento. E mamãe tava certa! Certíssima! Homem não presta, admito que sei disso. São todos jacas podres, estragados como meteoritos expulsos do universo que caem na Terra explodindo tudo. Mas você é tão criança que é apenas um menino. Um projeto de meteorito que abriu uma cratera linda na minha vida e incendiou tudo. Mamãe tava certa: Homem não presta. Mas você é menino e eu sei que é bom. Por que nós dois juntos somos ótimos, incríveis, poderosos, lindos, loucos, bons e adoráveis. E se você não prestar, então eu também não presto, por que nós somos exatamente iguais. O que chega a ser insultante. Você é um babaca. E isso torna de mim uma babaca. Mas somos iguais e somos diferentes e você me complementa e me enche de baboseiras até as orelhas. Você me transborda de tanto que me preenche com suas caretices, suas risadas desconexas, seus beijos cremosos, suas chatices de criança, seus jogos de menino, seus sonhos de maluco.

Eu queria que você fosse comestível, pra me entupir da sua doçura até ficar enjoada. Queria poder me lambuzar com o teu recheio até ficar com diabetes. Eu seria viciada em você, assim como já sou. E olha que lindo: Eu nem preciso te devorar pra que isso seja possível. E a sua pele tem uma textura tão convidativa que nada é melhor no mundo do que ter meus dentes cravados nela. E você é tão macio que seja a ser suculento. E me dá água na boca, mas vou parar por aqui antes que você mande me prender por canibalismo.

Você é lindo e eu sou uma ferrada por que te amo. Por que te amar ferra com a minha vida sonhada em cima de viagens solitárias, cidades vampirescas, textos ressentidos, saudades irracionais e chocolates em toneladas.

Eu não sei, mas acho que, finalmente, isso pode ser amor.