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domingo, 20 de outubro de 2013

Anemia

As imagens que caem soltas na nossa memória podem ser comparadas com as gotas da chuva que, independente do nosso humor, insistem em cair de forma lenta e descompromissada, quase como se assobiassem em uníssono contra a nossa vontade. Lembranças ruins são gotas geladas de uma chuva acida que não pode ser lambida ou sequer adorada. Lembranças boas são como a glória que o céu derrama no verão acima dos nossos corpos que queimam acima dos trinta graus. Em todos os casos, não estamos preparados para o frescor. Ainda que pacífico. Ainda que doído, que o abrupto som do que não é desejado pode nos causar.

Minhas veias estão abertas ao futuro. Não me sinto mais dissipada ou esquartejada. Não me sinto mais como se estivesse perdida ou fora de mim. Não me sinto como uma estranha, agora posso dizer que me conheço. Você foi embora como se os sentimentos fossem obstáculos que podemos simplesmente superar. Como uma queda da qual você levanta e segue em frente sem olhar para trás. Não, isso não se aplica a pratica. Não, não me importa quantas vezes você diga que sim, todos nós sabemos que esquecer só funciona na teoria. E Alzheimer que me perdoe, mas a alma nunca vai conseguir apagar o que a mente insiste em destruir. Não podemos fazer de conta que não sabemos, não podemos simplesmente não olhar. Mas fazemos isso.

Eu, você, os outros.

Não deveríamos ser pessoas frágeis com um coração pesado demais para ser carregado. Mas somos. O mundo está cheio de super-heróis, super-amantes, super-pais, super-namorados, super-filhos, super-amigos. Estamos lotados, afogados em palavras vazias. Somos jogados em espiral para dentro de um buraco negro de esquizofrenia. A claridade anêmica que não ilumina a vastidão do escuro dos ignorantes. E que podemos fazer? Não podemos. Mas fazemos.

 Eu.

 Você.

 Os outros.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Ain't Fun - Paramore

Nunca fui boa em matemática. Nunca gostei de cozinhar. Meus animais acabavam sempre ou morrendo ou fugindo. Meus sims acabavam afogados ou incendiados ou morrendo de fome. Meus talentos na escola eram parcos. Meus dentes eram e continuam sendo tortos. Meus olhos são míopes. Meu nariz é proeminente. Mas se tem uma coisa na qual eu sempre ganhei de todo mundo, era a leitura. Eu lia tudo que me pusessem na frente. Desde outdoors até a enciclopédia. Eis que descobri o que sabia fazer: Fugir da realidade. E cara, como isso é bom. Ficar por horas vivendo a vida de outra pessoa. Já fui de tudo nesses meus dezenove anos que em breve se acabarão: Fui vampira, homem, criança, lobisomem, fada, bruxa, cancerígena, promíscua, prostituta, velha, imortal, loira, ruiva, morena, negro. E sempre foi incrível pra mim. O meu problema é quando tenho que ser eu. Sara. Com todo meu nome junto. Sara Aline Ribeiro de Senna. O nome composto me dá certa possibilidade a mais. Encarno meus personagens. Segunda eu sou sombria. Terça eu sou romântica. Quarta eu sou dramática. Quinta eu sou rebelde. Sexta eu sou preguiçosa. Sábado eu sou francesa. Domingo eu sou poeta. E quando eu sou eu? Deixo para ser eu apenas quando a vida vem e me dá um tapão na cara. Deixo para ser eu quando tenho que esquecer que não sou quem eu queria ser e passo a ser quem eu tenho que ser de verdade. Eu. Eu humana, mulher, brasileira, pacata, mentirosa, imperfeita, Sara Aline Ribeiro de Senna. Com todas as letras e espinhas. Com todas as dores e próteses. Com todo um passado e uma história difícil. Deixo pra ser eu em entrevistas de empregos, inscrições de concursos e textos escondidos. Deixo para ser eu, justamente quando já estava tão feliz fingindo ser outra pessoa. Esse é o mundo real. E, como diria Hayley Williams, eu não posso ir chorar para a minha mamãe.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Paracetamol

Meus olhos estão famintos, te procuram sem sucesso. E mesmo que a cidade inteira vibre, calor nenhum é eficaz para quebrar a geleira do meu coração congelado. Você é eficaz. Mas você não é mais uma opção. Respiro fundo, dobro as mangas e me camuflo entre aquelas pessoas, a multidão que me esconde do olhar crítico do destino. Estou segura no meia dos corpos que se balançam, quase pareço uma sombra. Um fragmento do que eu era. Uma memória que se move por entre as possibilidades diversas, escondendo-se no badalar de outros corações partidos. Meus olhos estão famintos. Busco algo, não sei o que é. Há um buraco no meio do meu estômago. Coçando, incomodando. Não há nada que eu possa fazer. Você costumava fazer muito mais efeito do que um comprimido de paracetamol. Mas você não é mais uma opção.

Redemoinho

Perdi-me. Fundi-me no mundo, no mar de gente que engoliu meu corpo. Fui abortada pelo universo. Um feto cru, uma alma nua. Sou o que resta do que nunca fui. A vida que nunca existiu. A morte do que nunca viveu.