Translate

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Apocalipse Maneiro

Eu achei que quando a gente acabasse, o mundo iria acabar junto. Eu sei, isso é burrice. E sentimentalismo exagerado. E carência. Mas eu realmente achei que quando eu te dissesse tchau, o sol, de alguma maneira, não iria mais querer nascer. Eu achei que quando eu te beijasse pela última vez, as estrelas cairiam do céu e as ruas pegariam fogo. Eu achei que quando eu te dissesse pela ultima vez que eu te amo, as ondas sonoras que se propagam no planeta parariam de fazer efeito e a gente morreria num baque surdo de solidão. Eu cheguei a imaginar o que eu faria quando, de repente, as minhas lágrimas se transformassem em dilúvio e Noé reaparecesse nos chamando pra entrar na arca dele como os únicos representantes da espécie humana para procriar e sermos felizes num mundo novo. Eu achei que quando você cheirasse pela última vez a minha nuca, todos os medos do mundo iriam se arrepiar junto com os pelos do meu pescoço, e de repente as pessoas iriam querer abraçar umas às outras e a guerra no Iraque não faria mais sentido e Jesus desceria do céu, dizendo que, hey, não se assustem, o apocalipse é uma coisa boa. Eu pensei que quando você beijasse meus dedos da mão pela última vez, cada criança com fome no mundo inteiro iria sentir seus estômagos quentinhos, suas vidas melhores, seu corações reconfortados. Eu achei que quando eu arranhasse as suas costas pela última vez, cada criminoso que está morrendo dentro de uma prisão iria sentir seus pecados arraigarem e deixarem de existir e, por um momento, sentiriam inspiração e amor e ternura e iriam querer fazer coisas diferentes e serem pessoas diferentes quando saíssem de lá. Eu imaginava que quando os nossos olhos se cruzassem pela ultima vez, os olhos de todas as mulheres que sofrem em silencio seriam compreendidos e finalmente o planeta giraria para o lado certo e talvez a paz estivesse instaurada entre os sexos. Eu achei que o mundo inteiro sentiria a minha dor quando a gente acabasse. Eu achei que o amor pudesse ser, de alguma maneira, transformado em coisas melhores e não apenas morrer como um animal atropelado no meio de uma rua gelada. Eu achei que a vida poderia ser mais do que isso, que a gente poderia ser mais do que isso. Eu achei que quando a gente finalmente fosse grande o suficiente pra deixar de amar que nem criança, o mundo inteiro se daria conta que é necessário ser adulto e amar uns aos outros com seriedade. Eu achei que quando a gente acabasse, você iria aparecer na minha porta, no meio da noite, encharcado da chuva, pedindo pra gente voltar. Por que o amor não pode acabar. Por que as musicas são lindas. Por que não é possível que isso aconteça. Por que você sente saudade das minhas pernas loucas tirando o cobertor pra fora da cama. Eu achei que quando a gente acabasse eu ia acordar de manhã nos seus braços e suspirar aliviada sentindo o cheiro do seu cabelo.
Eu achei que quando a gente acabasse, a gente não ia acabar.
Mas, olha que triste. A gente acabou.



sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O câncer

Acordo com os olhos cansados. Durmo pensando em você. O estômago embrulhado. A dor na alma começa a latejar de novo. É um sinal claro de alerta. É um farol iluminando as águas turvas de uma história que já chegou no ponto final. E eu, que tanto busco por reticências, acabo infeliz e insone. Meus olhos, que se mantém fechados a noite inteira, se abrem nas manhãs frias como se estivessem em chamas. É o choro que não veio. A angústia, a sensação de que meu corpo inteiro vai se curvar e começar a atrofiar também é um sintoma claro de morte retardatária. Nosso amor virou um câncer. Matou minhas células, levou embora a minha felicidade.
Você me olha como se eu fosse a responsável pela longa quimioterapia que é fazer ligações por obrigação, curtir fotos por obrigação, dizer “eu te amo” por obrigação. O que acaba comigo, no final de tudo, é isso que chamam de esperança. Eu acordo, todos os dias, com os olhos doendo e a alma latejando. E, ainda assim, acredito em final feliz. Acredito em mudança, acredito em dias de sol, acredito em cachorros brincando nos parques e na libertação das mulheres.
Acredito que se você luta você consegue. Seria uma pena se eu estivesse acreditando nisso tudo sozinha. É uma droga ter que dar murro em ponto de faca. Sempre me disseram isso. E ainda assim, eu continuei tentando. Bater, de novo e de novo nas mesmas teclas, acabar com a minha carne, expor os meus medos, sonhar com coisas impossíveis. Mas o farol está iluminando o vago caminho da libertação.
O câncer precisa ir embora. Nós estamos fartos de morrer diariamente. Eu estou farta de morrer diariamente, em silencio, achando que tudo vai dar certo. Não vai. E advinha só: Quem vai ter que terminar com isso sou eu.

O que é uma grande pena. É infinitamente mais fácil continuar morrendo quando se tem a ilusão de que está feliz. E infinitamente mais triste também.

domingo, 3 de agosto de 2014

Domingo Sangrento

Domingos tristes, repetitivos, entediantes, merecidos. Domingos que se enchem de loucura insonsa,  que nos deixam sem alegria, nem seriedade. Dias de melancolia, de monotonia, de beleza preguiçosa. Dias de nostalgia, dos teus beijos serem lembrados, das minhas palavras doerem de novo. Dias de malvadeza, de promiscuidade insaciável, de sangue que respinga pelos quatro cantos da casa. O churrasco não feito, o pão queimado, o abraço esquecido em um canto de dia mofado. Rimas que não foram prometidas, ruas que não foram construídas, vidas que não foram nascidas. E as crianças, elas existem por um ato de puro egoísmo, de alegria individualista, em ver uma criatura sofrendo nesse planeta sem rumo, sem amor, sem beleza, sem vida. Vocês, vocês procriam por diversão, pegam o dom divino e transformam em banalidade. Tudo é banal, tudo é efêmero e distante. As coisas que não são planejadas tem um gosto mais doce do que as que foram calculadas previamente. O planejamento da vida tira o gosto de viver com intensidade. A intensidade não rima com monotonia. Domingos sem emoção, sem loucura, sem beijos, sem variedade. Domingos que se passaram, que foram loucos, com beijos, emoção e intensidade. Domingo entendiante. Domingo que se desfaz no cerne da falta de planejamento dos meus dias descompromissados. Domingo triste, longo e solitário.
Sinto saudades. Saudades dos meus domingos que eram agitados. Com você, ali. Com você, aqui.